quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Sistemas Deliberativos e Fundamentos da Participação Popular




Resenha do livro organizado por John Parkinson e Jane Mansbridge (eds.) - Deliberative systems: Deliberative democracy at the large scale - Cambridge: Cambridge University, 2012, por Débora de Oliveira.



1 - Os autores Jane Mansbridge e John Parkinson sustentam que nenhum fórum, mesmo q idealmente constituído, tem capacidade deliberativa suficiente para legitimar a maioria das decisões políticas adotadas nas democracias. Desta constatação surge a proposta da abordagem sistêmica: " sugerimos que é necessário ir além do estudo das instituições e processos individuais e examinar sua interação no sistema como um todo". 


2 - A teoria deliberativa enfrenta seu mais novo desafio: repensar a deliberação em contextos de larga escala.

3 - Há uma vasta discussão sobre o significado da deliberação, isto é, exercer a razão pública em conjunto. 

4 - Pesquisas empíricas destacam a alta aposta normativa no uso da razão à destarte das diferenças de recursos cognitivos e de poder entre os indivíduos, que por sua vez não se coadunam com os princípios deliberativos de igualdade, inclusividade, publicidade e reciprocidade. 

5 - Há lacunas na teoria deliberativa: I - o que é deliberação? II - como articulam-se os interesses para a decisão?

6 - De outro lado há uma tentativa de repensar as exigências do discurso racional a partir de um afrouxamento do conceito de razão. Nessa visada para além do argumento racional de validade universal, haveria uma abertura para a locução dos interesses, experiências, desejos e preferências dos indivíduos.

7 - A segunda lacuna aponta os limites da deliberação na sua articulação com o processo decisório. O que está em questão é qual o impacto esperado e se a deliberação requer apenas falar ou também decidir. 

8 - No capítulo introdutório do livro os autores procuram avaliar o que é um sistema deliberativo (SD), como funciona e quais são as patologias que dificultam seu pleno desenvolvimento.

9 - O sistema deliberativo é definido como "um conjunto de partes distinguíveis, diferenciadas, mas até certo ponto interdependentes, frequentemente com funções distribuídas e uma divisão do trabalho, conectadas de tal modo a formar um todo complexo". É uma abordagem baseada na fala como resolução de conflitos e de problemas por meio da argumentação, demonstração, expressão e persuasão. 

10 - Os autores sugerem q os estudos deliberativos devem ir além do foco nas instituições e processos individuais para o exame de suas interações. 

11 - Essa visão apresenta vantagens, pois, primeiramente, pretende embasar estudos sobre deliberação em larga escala. Se reconhece q as deliberações democráticas são tomadas num contexto de várias arenas e instituições interagindo a fim de produzir um sistema virtuoso. 

12 – O SD estabelece uma divisão de trabalho sem a exigência de que todos os espaços possuam todas as qualidades da boa deliberação (ideia de complementaridade). 

13 - O realismo da proposta dos SDs está na compreensão da política como processo difícil de balancear diferentes interesses e visões dos cidadãos, e da necessidade de combinar diferentes modos de representação/participação.

14 - O SD envolve quatro arenas: decisões vinculantes do Estado, atividades relacionadas às decisões, fala informal relacionada às decisões vinculantes e arenas formais e informais sobre questões de interesse comum. 

15 - Os autores destacam as três funções mais importantes de um sistema deliberativo: epistêmica, ética e a democrática. 

17 - A função ética está relacionada a promoção do mútuo respeito entre os cidadãos, fundada no reconhecimento de que cidadãos são agentes autônomos e que fazem parte da governança da sociedade; diretamente ou por meio de representantes. 

16 - A função epistêmica tem o objetivo de aperfeiçoar a qualidade informacional por meio da promoção de "preferências, opiniões e decisões que são apropriadamente informadas pelos fatos e lógica e resultam de considerações substantivas e significativas de relevantes razões". 

18 - A função democrática objetiva a promoção da inclusão e da participação igualitária de cidadãos. 

19 - Portanto, um SD é formado por práticas e instituições que em conjunto realizam as três funções - procuram a verdade, estabelecem o mútuo respeito e geram um processo decisório, inclusivo e igualitário. 

20 - Experiências incompatíveis com o SD; os experts, os protestos e pressões da sociedade e a mídia partidária. Os espaços formados por experts contribuem para a qualidade informacional, mas tendem a desrespeitar opiniões do saber popular e ser pouco inclusivos. Os protestos são ferramentas importantes de pressão popular, mas tendem a violar os padrões de deliberação, respeito e inclusão. Finalmente, a mídia partidária pode ajudar a enriquecer a dimensão epistêmica ao contrapor informações, mas desrespeita os cidadãos ao promover falsas informações. 

21 - Finalmente são apontadas cinco patologias que podem minar a circulação de ideias e decisões entre os distintos atores e espaços, dificultando assim o pleno desenvolvimento de um sistema deliberativo interdependente. São elas:

I - tight-coupling (alta dependência) = partes do processo fortemente associadas,
II – decoupling (sem relacionamento) = dissociação entre as partes (desprezo das boas razões)
III - dominação institucional = típico de regimes autoritários. 
IV - dominação social= posse de recursos de riqueza e de poder. 
V- hiperpartidarismo= acirramento de posições.

22 - Os demais capítulos do livro colocam em relevo espaços e atores específicos dos SDs. Thomás Christiano, em "Rational deliberation among experts and citizens", o autor sustenta q a influência do conhecimento expert no processo decisório pode ajudar a resolver os problemas de principal/agent - grau em q uma política é sensível aos objetivos políticos pensados pelo cidadão. Desse modo propõe uma divisão de trabalho deliberativo entre experts e cidadãos. Esses são responsáveis por prover os objetivos básicos de uma sociedade, já a expertise tem a missão de descobrir os melhores meios para se produzirem resultados epistemicamente melhores. Portanto, os cidadãos têm um papel indireto de avaliação das políticas e estabelecimento de agendas públicas, por meio de uma variedade de associações de grupos de interesses e partidos políticos.

23 -  Em "Deliberative and mass democracy", a autora Simone Chambers sustenta q a opinião pública tem impacto sobre as leis, por meio do debate que precede o voto, e sobre a responsividade - para além do voto, os indivíduos devem influenciar nos inputs da política, e os políticos precisam se engajar deliberativamente com o representado. Não obstante a diferença entre opinião crua ou não trabalhada deliberativamente e aquela presente nos minis públicos, pode constituir uma indesejada divisão do trabalho deliberativo. Nesse sentido, espaços deliberativos mistos - bem como qualquer forma de representação em geral - precisam abordar opiniões que permeiam o debate público mais amplo.

24 - No capítulo "Representation in the Deliberative system", James Bohman discute o papel da representação política no SD. O autor propõe pensar a representação a partir do papel dos diferentes minis públicos - tais como júris de cidadãos, pesquisas deliberativas e assembleias de cidadãos - representantes da liberdade ativa dos cidadãos, mas com fraco poder decisório. Liberdade comunicativa é a discussão, poder comunicativo é a decisão. Liberdade e poder comunicativo precisam estar conectados para a influência que distintas perspectivas sociais podem lograr no processo de tomada de decisões vinculantes. 

25 - Michael MacKenzie e Mark Warren, no artigo "Two trust-based uses of minipublics in democratic systems", focam a deliberação que ocorre em mini públicos. Os autores argumentam q mini públicos podem ajudar a resolver problemas de desconfiança que surge nos domínios dos poderes Executivo e Legislativo. Em relação ao legislativo esses espaços surgem como proxies (intermediários) de informação confiável para guiar o julgamento político dos cidadãos. No caso do executivo os minis públicos podem servir de público antecipatório para guiar processos de formulação de políticas que podem se tornar contenciosas no futuro, mas em torno dos quais ainda não há uma opinião pública formada. Existem condições importantes para a formação de mini públicos, como a representatividade de interesses, medidas contra motivações particularistas, deliberatividade e acordo sobre as questões. 

26 - O artigo de Yannis Papadopoulos, " On the embeddedness of Deliberative systems: why elitist innovations matter more", parte da premissa de que o crescimento de inovações participativas não se dá num vácuo, mas imerso num contexto mais amplo de transformação do processo de formulação e de decisões políticas. O autor coloca a desnudo o problema clássico da baixa importância dos experimentos participativos em relação às demais esferas deliberativas elitistas em ascensão no mundo contemporâneo. 

27 - O autor chama a atenção para o risco de alguns espaços, que não estão sujeitos a constrangimentos e accountability popular em minarem o potencial de influência de outras esferas deliberativas e participativas. Como recomendação sugere o acoplamento dos minis públicos e espaços de deliberação aos espaços decisórios. De maneira nem tão forte para evitar a cooptação, e nem tão fraca que sejam ignorados. 

28 - Em relação aos minis públicos o autor defende que sejam formalmente autorizados a formularem no mínimo inputs para o processo legislativo, com a obrigação de prestar contas publicamente pelo desvio substancial das propostas formuladas. Como exemplo ilustra as Conferências setoriais no Brasil, que por vezes cumpre com esse papel. 

29 - Por fim, o artigo de John Parkinson destaca quatro condições que não podem ser negligenciadas para a democratização do SD. Primeiro, é preciso considerar uma hierarquia de tecnologias e poder e que as perspectivas não são tratadas igualmente. Segundo, existem constrangimentos impostos por interesses organizados que podem solapar a perspectiva deliberativa. A terceira advertência refere-se aos problemas de transmissão entre as opiniões geradas no sistema deliberativo. Finalmente lembra q nem todo o processo deliberativo resulta em decisões epistemicamente melhores ou justas. 



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