Olivieri, Cecília. Os controles políticos sobre a burocracia. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, 45 (5): 1395-1424, set/out, 2011.
1 - A autora faz referência ao debate na literatura norte-americana sobre o tema em contraponto a ausência de discussão no Brasil. O olhar dos cientistas sociais no Brasil teve como foco a construção do Estado e não as condições de democratização da administração pública e de responsabilização de dirigentes políticos. As semelhanças institucionais entre os dois países - presidencialismo, burocracia aberta a entrada lateral e a nomeações políticas, tradição clientelista - não produziram preocupações teóricas semelhantes a respeito do controle democrático sobre a burocracia.
2 - Questões weberianas clássicas para o estudo contemporâneo sobre a burocracia; a) a expansão da burocracia nos domínios público e privado, devido à sua superioridade técnica, e b) o conflito latente entre burocratização e democratização, expresso nas disputas sobre o controle da burocracia em nome da democracia.3 - a partir dos anos 70 e 80 às reformas administrativas tinham como objetivo reduzir o tamanho da burocracia e as tecnologias da informação traziam a possibilidade da extinção de processos e papelorio. O q se observa no entanto é q as reformas não reduziram o tamanho dos aparatos administrativos e as ti's levaram ao Estado novas demandas e produziram novas atividades.4 - as implicações entre o governo democrático e a burocracia revelam que apesar de todas as mudanças ocorridas nas últimas décadas, a democracia continua a depender da expansão da burocracia pois é o aparato burocrático q é responsável pela garantia das regras legais q sustentam o regime político. Entretanto a expansão da burocracia pode ameaçar a democracia, pois os burocratas podem usurpar dos políticos o poder de decidir sobre assuntos de governo.5 - segundo Weber as características da moderna burocracia, tanto pública quanto a privada sao: a) princípio das competências fixas, b) princípio da hierarquia de cargos, c) documentação dos atos e decisões, d) especialização das tarefas, e) profissionalização dos funcionários e f) administração de acordo com regras.6 - a moderna burocracia pública exerce , portanto, autoridade política, o q a coloca no centro da disputa pela divisão do poder, q se expressa pela disputa de seu principal instrumento, q são os cargos públicos.7 - os principais instrumentos de poder da burocracia se relacionam com sua constituição, isto é, o controle sobre o conhecimento técnico especializado (advindo da educação formal) para a gestão do Estado, e o controle sobre as informações advinda dos cargos.8 - entrementes os políticos devem controlar a implementação administrativa cuja responsabilidade é da burocracia. Sem esse controle a burocracia usurpa o processo de decisão política, de acordo com sua tendência em transformar questões políticas em questões administrativas. Mesmo assim o poder da burocracia é muito grande, ela sempre procura aumentá-lo lançando mão do segredo de seus conhecimentos, ou seja, do "segredo burocrático". A consequência do fenômeno para Weber é de que a administração burocrática excluiu o público.9 - para o controle da burocracia os políticos lançam mão de dois instrumentos; a) a nomeação de funcionários de confiança e/ou afinados ideologicamente para cargos de direção, e b) a manipulação da estrutura organizacional de forma a criar contraposições e mútuo controle sobre a burocracia.10 - as principais ameaças à democracia são representadas pelas seguintes questões; I) como salvaguardar resquícios de uma liberdade de ação individual? II) como controlar e manter os limites do funcionalismo estatal? E qual poder fará isso? III) como suprir limites internos da burocracia, ou seja, sua incapacidade de tomar decisão?11 - o poder de se contrapor a burocracia é o poder democrático. Posto que o poder da burocracia consiste na dominação dos funcionários acima de qq controle. Através do controle politico a administração pública e seus funcionários podem ser investigados e arguidos pelo parlamento.12 - Weber prenunciou alguns dos temas contemporâneos sobre a burocracia; a) o poder da burocracia de "ponta de linha" (street levei bureaucrats), a relevância política dos controles administrativos de procedimentos enquanto instrumentos de controle dos políticos sobre a burocracia e a importância da análise diferenciada da burocracia qto as formas de provimento dos cargos.13 - a superioridade técnica da burocracia continua determinando sua expansão nos domínios público e privado. As tecnologias da informação e da comunicação não combateram a burocratização no sentido weberiano, ao contrário, o desenvolvimento de algumas técnicas promove o controle dos dirigentes sobre a organização e aprofunda sua função disciplinadora e, portanto, reforça a burocratização.14 - em relação ao conflito latente entre burocracia e democratização sustenta a autora que burocracia carrega em seu bojo dois princípios conflitantes: a vocação para a subordinação ao líder político e o germe da ambição do exercício autônomo da autoridade.15 - contudo é paradoxal q a democracia espera que o poder se organize de forma a respeitar a igualdade legal entre os indivíduos com base em normas, portanto, que se organize de forma burocrática. Portanto, as relações entre democracia e burocracia são ambivalentes.16 - mas se a burocracia ameaça à democracia ao mesmo tempo em q é necessária, como organizar sistemas de controles democráticos entre burocratas e politicos? Como organizar um sistema de equilíbrio necessariamente instável entre a política e a burocracia?17 - a genealogia dessas questões remontam na literatura norte-americana a primeira reforma administrativa ocorrida em fins do século XIX, e início do século XX. O presidente norte-americano Woodrow Wilson (1913-1921) defendia a separação clara entre as atividades dos burocratas e a atividade política. Os políticos decidiriam as políticas públicas e os burocratas as implementariam apenas.18 - por seu turno é interessante notar a oposição de ideias entre Wilson e as de Andrew Jackson, que ocupou a presidência um século antes (1829-1837). Jackson defendia o sistema de espólio (spoils system) com base na ideia da burocracia representativa. O sistema de espólio se caracteriza pela distribuição de cargos da burocracia pública entre os eleitores e partidários do candidato vencedor nas eleições. A ideia consistia em reforçar a democracia pois os cidadãos comuns trazidos para a administração pública federal, representariam os diversos grupos ou setores da sociedade que poderiam não estar representados no Congresso.19 - o foco da literatura norte-americana reside menos na natureza do Estado e na forma de sua institucionalização, e mais sobre a autonomia da burocracia e de sua captura pelos interesses das minorias. Ou seja, os grandes problemas que a burocracia meritocrática impõe ao regime democrático são os graus de discricionaridade administrativa, e o risco de captura de agências executivas por interesses das minorias. Tanto para um, como para outro problema o remédio é o controle político sobre a burocracia.20 - na literatura brasileira predominam análises focadas no clientelismo e na ineficiência da burocracia. O clientelismo é conceito corrente sobre a pratica política e sobre as formas de organização de setores da administração pública. Enquanto pratica política o clientelismo opõem-se a política ideológica. Desse modo a representação de interesses da sociedade junto à administração pública, é distorcida pela forma patrimonial de relação entre política e parcela da sociedade. Por outro lado, como forma de organização da administração pública, o clientelismo se opõem a burocracia meritocráticas, o q leva a pratica do insulamento burocrático e suas consequencias; os anéis burocráticos e o tecnocrático.21 - os estudos brasileiros não tem como foco as relações entre burocracia e democracia, pois priorizam em identificar os atores q exercem a autonomia do Estado, bem como as formas pelas quais os agentes econômicos conseguem manter a ação do Estado na direção de seus interesses.22 - no Brasil a prioridade dos estudos repousa na institucionalização do Estado enquanto poder público, enquanto que nos Estados Unidos a produção literária enfatiza o caráter democrático da autonomia burocrática, e a captura da administração pela minoria.23 - a autora reitera q a discricionaridade da burocracia é um problema porque coloca nas mãos de outros agentes que não os legítimos representantes da vontade do povo a decisão sobre a direção das políticas públicas. Já a captura é uma anomalia da representação democrática dos diversos interesses sociais.24 - contudo no Brasil antes da preocupação com a democracia temos a preocupação com a modernidade (Sérgio B Holanda/R Faoro/S Schwartzman) e com a construção das instituições modernas: o Estado racional-legal, a sociedade plural, a burocracia meritocráticas e republicana.25 - em relação ao tema do controle sobre a burocracia , Carlos E. Martins identificou a ojeriza dos cientistas sociais brasileiros sobre a temática, qualificando-a como uma atitude preconceituosa e irresponsável: " ...Estar a favor dos controles, deduz-se, é atitude muito suspeita, sinal quase certo de que não se está do lado dos oprimidos. Do ponto de vista do credo democrático, porém, tal argumentação é inaceitável. Nas democracias, presume-se que o povo detém o poder soberano e, portanto, é ao povo que cabe a função de controlador. Estar a favor dos controles, para os democratas, nada implica de antipopular: ao contrário é ser consequente (MARTINS, Carlos Estevam. Governabilidade e controles. Revista da Administração Pública, RJ, v.23, n.1, 1989).26 - as concepções assentes na visão patrimonialista da política e por conseguinte como domínio do clientelismo, provocam certo distanciamento de estudiosos brasileiros sobre a temática. Sustenta a autora que se a política na administração pública significa clientelismo, ou seja, distribuição de recursos públicos segundo critérios patrimonialistas ou, em outras palavras, critérios não universalistas e não democráticos, as soluções que necessariamente se apresentam consistem em tirar a política da burocracia, e isolar a burocracia da política, insulando-a. E ao negar o caráter político das decisões burocráticas, coerentemente reduz ou anula a necessidade de controle político sobre a burocracia.27 - a nova vertente de análise (neoinstitucionalismo) da política brasileira q não se filia aos estudos de formação do Estado, e dos estudos de cunho sociológico, abriu novas perspectivas para os estudos sobre a burocracia. É a vertente neoinstitucional, que se diferencia pelo fato de permitir a análise da política e das instituições (sistemas de governo, regras eleitorais, relações entre executivo e legislativo, etc.) como entes analiticamente autônomos em relação a estrutura social, a estrutura de classes e ao desenvolvimento econômico-social. No debate latino-americano os autores q mais influenciaram foram Juan Linz, Alfred Stepan, Scott Mainwaring e Arend Lijphart, q compararam as características institucionais dos sistemas presidencialista e parlamentarista quanto a sua capacidade de produzir governos democráticos estáveis.27 - no entanto todo esse debate produziu poucos trabalhos sobre o papel da burocracia como lócus de poder e ator político, e nenhum sobre o controle democrático dos políticos sobre a burocracia.28 - na literatura norte-americana, ao contrário, a perspectiva neoinstitucional avançou no debate sobre esse tema, e aponta os termos em que essa discussão pode ser adotada no Brasil: a identificação dos mecanismos de controle sobre a burocracia e sua compreensão na medida do funcionamento do sistema político. Esses mecanismos são: a) nomeação política, b) controle orçamentário, c) reorganização da estrutura administrativa, d) personal Power, e e) monitoramento e legislação.29 - para contextualizar esse debate no Brasil, é preciso perguntar como se constroem controles políticos sobre a burocracia tendo em vista as características do sistema político brasileiro: presidencialismo consensual, federalismo forte, multipartidarismo e partidos fracos. No q diz respeito a distribuição de cargos para os partidos da coalizão governamental, a questão q se coloca diz respeito menos a politização em si q acarreta. Mas diz mais respeito a existência ou não de controles democráticos sobre a atuação dos nomeados.30 - posto que a questão é como garantir a accountability após as eleições, ou seja, desde a nomeação de pessoas que não necessariamente foram eleitas até sua atuação na direção das políticas públicas.31 - as principais características no Brasil para fins dos mecanismos de controle (nomeação, orçamento, legislação e monitoramento) sobre a burocracia são: I - sua concentração no Executivo, em detrimento do Legislativo, e II - a influência da forma de construção da coalizão e do gabinete de governo sobre o funcionamento desses mecanismos de controle.32 - duas características da administração pública brasileira reforçam a demanda por controle sobre as nomeações: I - os políticos almejam posições no Executivo para se promover politicamente (pois a elaboração e execução orçamentária é prerrogativa do Executivo), e II - a administração pública brasileira é muita aberta a possibilidade de entrada lateral, a partir de cargos de livre provimento. Há poucas carreiras estruturadas e as nomeações acabam por adquirir um peso muito grande devido ao tipo de distribuição de poderes entre Executivo e Legislativo.33 - a crítica q se faz ao Legislativo é sua aparente apatia diante da concentração de poderes no Executivo, q reflete-se inclusive na não utilização dos recursos à disposição do parlamento para controlar as políticas públicas (corpo técnico de assessores parlamentares, poderes constitucionais, tribunais de contas, etc.) . A exceção segundo a autora ficam por conta do controle indireto proporcionado por ocasião das CPI's.34 - no caso brasileiro, o presidencialismo de coalizão acarreta uma enorme dispersão do poder de nomeação do presidente entre os líderes dos partidos da coalizão de governo.
sábado, 10 de outubro de 2015
Resenha artigo "Os Controles políticos sobre a Burocracia"
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