sábado, 10 de outubro de 2015

Resenha artigo "Os Controles políticos sobre a Burocracia"


Olivieri, Cecília. Os controles políticos sobre a burocracia. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, 45 (5): 1395-1424, set/out, 2011.

1 - A autora faz referência ao debate na literatura norte-americana sobre o tema em contraponto a ausência de discussão no Brasil. O olhar dos cientistas sociais no Brasil teve como foco a construção do Estado e não as condições de democratização da administração pública e de responsabilização de dirigentes políticos. As semelhanças institucionais entre os dois países - presidencialismo, burocracia aberta a entrada lateral e a nomeações políticas, tradição clientelista - não produziram preocupações teóricas semelhantes a respeito do controle democrático sobre a burocracia.

2 - Questões weberianas clássicas para o estudo contemporâneo sobre a burocracia; a) a expansão da burocracia nos domínios público e privado, devido à sua superioridade técnica, e b) o conflito latente entre burocratização e democratização, expresso nas disputas sobre o controle da burocracia em nome da democracia. 
3 - a partir dos anos 70 e 80 às reformas administrativas tinham como objetivo reduzir o tamanho da burocracia e as tecnologias da informação traziam a possibilidade da extinção de processos e papelorio. O q se observa no entanto é q as reformas não reduziram o tamanho dos aparatos administrativos e as ti's levaram ao Estado novas demandas e produziram novas atividades. 
4 - as implicações entre o governo democrático e a burocracia revelam que apesar de todas as mudanças ocorridas nas últimas décadas, a democracia continua a depender da expansão da burocracia pois é o aparato burocrático q é responsável pela garantia das regras legais q sustentam o regime político. Entretanto a expansão da burocracia pode ameaçar a democracia, pois os burocratas podem usurpar dos políticos o poder de decidir sobre assuntos de governo.
5 - segundo Weber as características da moderna burocracia, tanto pública quanto a privada sao: a) princípio das competências fixas, b) princípio da hierarquia de cargos, c) documentação dos atos e decisões, d) especialização das tarefas, e) profissionalização dos funcionários e f) administração de acordo com regras.
6 - a moderna burocracia pública exerce , portanto, autoridade política, o q a coloca no centro da disputa pela divisão do poder, q se expressa pela disputa de seu principal instrumento, q são os cargos públicos.
7 - os principais instrumentos de poder da burocracia se relacionam com sua constituição, isto é, o controle sobre o conhecimento técnico especializado (advindo da educação formal) para a gestão do Estado, e o controle sobre as informações advinda dos cargos. 
8 - entrementes os políticos devem controlar a implementação administrativa cuja responsabilidade é da burocracia. Sem esse controle a burocracia usurpa o processo de decisão política, de acordo com sua tendência em transformar questões políticas em questões administrativas. Mesmo assim o poder da burocracia é muito grande, ela sempre procura aumentá-lo lançando mão do segredo de seus conhecimentos, ou seja, do "segredo burocrático". A consequência do fenômeno para Weber é de que a administração burocrática excluiu o público. 
9 - para o controle da burocracia os políticos lançam mão de dois instrumentos; a) a nomeação de funcionários de confiança e/ou afinados ideologicamente para cargos de direção, e b) a manipulação da estrutura organizacional de forma a criar contraposições e mútuo controle sobre a burocracia.
10 - as principais ameaças à democracia são representadas pelas seguintes questões; I) como salvaguardar resquícios de uma liberdade de ação individual? II) como controlar e manter os limites do funcionalismo estatal? E qual poder fará isso? III) como suprir limites internos da burocracia, ou seja, sua incapacidade de tomar decisão?
11 - o poder de se contrapor a burocracia é o poder democrático. Posto que o poder da burocracia consiste na dominação dos funcionários acima de qq controle. Através do controle politico a administração pública e seus funcionários podem ser investigados e arguidos pelo parlamento.
12 -  Weber prenunciou alguns dos temas contemporâneos sobre a burocracia; a) o poder da burocracia de "ponta de linha" (street levei bureaucrats), a relevância política dos controles administrativos de procedimentos enquanto instrumentos de controle dos políticos sobre a burocracia e a importância da análise diferenciada da burocracia qto as formas de provimento dos cargos.
13 - a superioridade técnica da burocracia continua determinando sua expansão nos domínios público e privado. As tecnologias da informação e da comunicação não combateram a burocratização no sentido weberiano, ao contrário, o desenvolvimento de algumas técnicas promove o controle dos dirigentes sobre a organização e aprofunda sua função disciplinadora e, portanto, reforça a burocratização. 
14 -  em relação ao conflito latente entre burocracia e democratização sustenta a autora que burocracia carrega em seu bojo dois princípios conflitantes: a vocação para a subordinação ao líder político e o germe da ambição do exercício autônomo da autoridade.
15 -  contudo é paradoxal q a democracia espera que o poder se organize de forma a respeitar a igualdade legal entre os indivíduos com base em normas, portanto, que se organize de forma burocrática. Portanto, as relações entre democracia e burocracia são ambivalentes. 
16 - mas se a burocracia ameaça à democracia ao mesmo tempo em q é necessária, como organizar sistemas de controles democráticos entre burocratas e politicos? Como organizar um sistema de equilíbrio necessariamente instável entre a política e a burocracia?
17 - a genealogia dessas questões remontam na literatura norte-americana a primeira reforma administrativa ocorrida em fins do século XIX, e início do século XX. O presidente norte-americano Woodrow Wilson (1913-1921) defendia a separação clara entre as atividades dos burocratas e a atividade política. Os políticos decidiriam as políticas públicas e os burocratas as implementariam apenas. 
18 -  por seu turno é interessante notar a oposição de ideias entre Wilson e as de Andrew Jackson, que ocupou a presidência um século antes (1829-1837). Jackson defendia o sistema de espólio (spoils system) com base na ideia da burocracia representativa. O sistema de espólio se caracteriza pela distribuição de cargos da burocracia pública entre os eleitores e partidários do candidato vencedor nas eleições. A ideia consistia em reforçar a democracia pois os cidadãos comuns trazidos para a administração pública federal, representariam os diversos grupos ou setores da sociedade que poderiam não estar representados no Congresso. 
19 - o foco da literatura norte-americana reside menos na natureza do Estado e na forma de sua institucionalização, e mais sobre a autonomia da burocracia e de sua captura pelos interesses das minorias. Ou seja, os grandes problemas que a burocracia meritocrática impõe ao regime democrático são os graus de discricionaridade administrativa, e o risco de captura de agências executivas por interesses das minorias. Tanto para um, como para outro problema o remédio é o controle político sobre a burocracia.
20 - na literatura brasileira predominam análises focadas no clientelismo e na ineficiência da burocracia. O clientelismo é conceito corrente sobre a pratica política e sobre as formas de organização de setores da administração pública. Enquanto pratica política o clientelismo opõem-se a política ideológica. Desse modo a representação de interesses da sociedade junto à administração pública, é distorcida pela forma patrimonial de relação entre política e parcela da sociedade. Por outro lado, como forma de organização da administração pública, o clientelismo se opõem a burocracia meritocráticas, o q leva a pratica do insulamento burocrático e suas consequencias; os anéis burocráticos e o tecnocrático. 
21 -  os estudos brasileiros não tem como foco as relações entre burocracia e democracia, pois priorizam em identificar os atores q exercem a autonomia do Estado, bem como as formas pelas quais os agentes econômicos conseguem manter a ação do Estado na direção de seus interesses. 
22 - no Brasil a prioridade dos estudos repousa na institucionalização do Estado enquanto poder público, enquanto que nos Estados Unidos a produção literária enfatiza o caráter democrático da autonomia burocrática, e a captura da administração pela minoria. 
23 - a autora reitera q a discricionaridade da burocracia é um problema porque coloca nas mãos de outros agentes que não os legítimos representantes da vontade do povo a decisão sobre a direção das políticas públicas. Já a captura é uma anomalia da representação democrática dos diversos interesses sociais. 
24 - contudo no Brasil antes da preocupação com a democracia temos a preocupação com a modernidade (Sérgio B Holanda/R Faoro/S Schwartzman) e com a construção das instituições modernas: o Estado racional-legal, a sociedade plural, a burocracia meritocráticas e republicana. 
25 - em relação ao tema do controle sobre a burocracia , Carlos E. Martins identificou a ojeriza dos cientistas sociais brasileiros sobre a temática, qualificando-a como uma atitude preconceituosa e irresponsável: " ...Estar a favor dos controles, deduz-se, é atitude muito suspeita, sinal quase certo de que não se está do lado dos oprimidos. Do ponto de vista do credo democrático, porém, tal argumentação é inaceitável. Nas democracias, presume-se que o povo detém o poder soberano e, portanto, é ao povo que cabe a função de controlador. Estar a favor dos controles, para os democratas, nada implica de antipopular: ao contrário é ser consequente (MARTINS, Carlos Estevam. Governabilidade e controles. Revista da Administração Pública, RJ, v.23, n.1, 1989).
26 - as concepções assentes na visão patrimonialista da política e por conseguinte como domínio do clientelismo, provocam certo distanciamento de estudiosos brasileiros sobre a temática. Sustenta a autora que se a política na administração pública significa clientelismo, ou seja, distribuição de recursos públicos segundo critérios patrimonialistas ou, em outras palavras, critérios não universalistas e não democráticos, as soluções que necessariamente se apresentam consistem em tirar a política da burocracia, e isolar a burocracia da política, insulando-a. E ao negar o caráter político das decisões burocráticas, coerentemente reduz ou anula a necessidade de controle político sobre a burocracia. 
27 -  a nova vertente de análise (neoinstitucionalismo) da política brasileira q não se filia aos estudos de formação do Estado, e dos estudos de cunho sociológico, abriu novas perspectivas para os estudos sobre a burocracia. É a vertente neoinstitucional, que se diferencia pelo fato de permitir a análise da política e das instituições (sistemas de governo, regras eleitorais, relações entre executivo e legislativo, etc.) como entes analiticamente autônomos em relação a estrutura social, a estrutura de classes e ao desenvolvimento econômico-social. No debate latino-americano os autores q mais influenciaram foram Juan Linz, Alfred Stepan, Scott Mainwaring e Arend Lijphart, q compararam as características institucionais dos sistemas presidencialista e parlamentarista quanto a sua capacidade de produzir governos democráticos estáveis. 
27 - no entanto todo esse debate produziu poucos trabalhos sobre o papel da burocracia como lócus de poder e ator político, e nenhum sobre o controle democrático dos políticos sobre a burocracia. 
28 - na literatura norte-americana, ao contrário, a perspectiva neoinstitucional avançou no debate sobre esse tema, e aponta os termos em que essa discussão pode ser adotada no Brasil: a identificação dos mecanismos de controle sobre a burocracia e sua compreensão na medida do funcionamento do sistema político. Esses mecanismos são: a) nomeação política, b) controle orçamentário, c) reorganização da estrutura administrativa, d) personal Power, e e) monitoramento e legislação.
29 - para contextualizar esse debate no Brasil, é preciso perguntar como se constroem controles políticos sobre a burocracia tendo em vista as características do sistema político brasileiro: presidencialismo consensual, federalismo forte, multipartidarismo e partidos fracos. No q diz respeito a distribuição de cargos para os partidos da coalizão governamental, a questão q se coloca diz respeito menos a politização em si q acarreta. Mas diz mais respeito a existência ou não de controles democráticos sobre a atuação dos nomeados. 
30 - posto que a questão é como garantir a accountability após as eleições, ou seja, desde a nomeação de pessoas que não necessariamente foram eleitas até sua atuação na direção das políticas públicas. 
31 - as principais características no Brasil para fins dos mecanismos de controle (nomeação, orçamento, legislação e monitoramento) sobre a burocracia são: I - sua concentração no Executivo, em detrimento do Legislativo, e II - a influência da forma de construção da coalizão e do gabinete de governo sobre o funcionamento desses mecanismos de controle.
32 - duas características da administração pública brasileira reforçam a demanda por controle sobre as nomeações: I - os políticos almejam posições no Executivo para se promover politicamente (pois a elaboração e execução orçamentária é prerrogativa do Executivo), e II - a administração pública brasileira é muita aberta a possibilidade de entrada lateral, a partir de cargos de livre provimento. Há poucas carreiras estruturadas e as nomeações acabam por adquirir um peso muito grande devido ao tipo de distribuição de poderes entre Executivo e Legislativo.
33 - a crítica q se faz ao Legislativo é sua aparente apatia diante da concentração de poderes no Executivo, q reflete-se inclusive na não utilização dos recursos à disposição do parlamento para controlar as políticas públicas (corpo técnico de assessores parlamentares, poderes constitucionais, tribunais de contas, etc.) . A exceção segundo a autora ficam por conta do controle indireto proporcionado por ocasião das CPI's. 
34 - no caso brasileiro, o presidencialismo de coalizão acarreta uma enorme dispersão do poder de nomeação do presidente entre os líderes dos partidos da coalizão de governo. 


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