quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Teoria Politica Contemporânea

  O texto sobre Teoria Política é de 2007, e discorre sobre as principais correntes e autores da Ciência Política hodierna.  

Maquiavel pode ser considerado o fundador da Ciência Política ocidental

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Teoria Politica: a Análise Comparada e o Institucionalismo Histórico

Introdução
Um ponto de inflexão no pensamento político ocidental foram as reflexões de Maquiavel acerca da manutenção e estabilidade do poder em geral e, em particular, na república Florentina do século XVI. No ambiente gerado pelo renascimento italiano a novidade de Maquiavel foi a produção de uma ruptura entre política e religião. Também é admitido que o tratamento canônico de toda uma tradição teórica da política ocidental, de Aristóteles, Políbio, Marcílio de Pádua, o próprio Maquiavel, Hobbes, Madison, Montesquieu, etc., estabeleceu seus termos no século XIX, com a bifurcação entre como as coisas deveriam ser, no caso o bom governo, e como as coisas são, o que remete para a explicação do governo. Nesse período a política, o direito e a filosofia haviam se divorciado. Adentrando o século XX, a escola do velho institucionalismo de origem norte-americana fazia da forma constitucional seu recorte e objeto de estudo.
A partir dos anos vinte do século passado, Gaettano Mosca faz evoluir os estudos políticos para além da forma constitucional dos países, sopesando elementos mais amplos para a análise das diferenças institucionais entre as nações. A Escola de Chicago à época adota técnicas de pesquisa influenciadas pela psicologia, estatística e outras áreas do conhecimento e desloca o estudo da política das instituições para o indivíduo. Gallup nos anos trinta cria e dá notoriedade às pesquisas de opinião pública. Nos anos cinqüenta nos EUA, as questões relevantes para os estudiosos da política foram a explicação do resultado das eleições majoritárias a partir da compreensão da opção partidária do cidadão. Dessa forma se desenvolveu e adquiriu centralidade para a Ciência Política a explicação do resultado ou da performance das instituições políticas, sobretudo, das instituições democráticas, com o desenvolvimento em espiral crescente da análise comparada.
Em se tratando do método comparado na primeira parte desse artigo tentaremos explorar o que conceitualmente desenvolveram sobre o tema autores importantes para a Ciência Política contemporânea como Sartori, Badie e Tilly. A idéia é produzir um pequeno quadro referencial de conceitos priorizando um diálogo onde se apercebam complementaridades e reciprocidades na conceituação da metodologia comparativista.
Na segunda parte do artigo nos propomos a abordar o tema do Neo-institucionalismo, mainstream da Ciência Política contemporânea, e verificar duas de suas principais vertentes, a da Escolha Racional ou Escolha Pública e o Institucionalismo Histórico. No caso da escolha racional um dos autores mais engenhosos, e que focalizaremos parte de seu trabalho, é George Tsebellis. Ao construir o conceito de veto player aportou uma valiosa ferramenta para analisar as possibilidades de efetivação de políticas públicas, consoante o número de atores institucionais relevantes. As instituições importam? Para os institucionalistas históricos a rigor não pairam dúvidas sobre a pergunta. Na moldura institucionalista histórica o mais apropriado é transformar a questão em uma afirmação, com um complemento, qual seja, as instituições e o tempo importam! Considerado um dos trabalhos seminais dessa escola o livro: “Bringing The State Back In”, de Skocpol, Evans e Rueschemeyer (1985), situou aspectos importantes do institucionalismo histórico comparado (FERNANDES, 2002). Dentre eles o grau de autonomia dos Estados atravéz de indicadores institucionais como o grau de centralização e descentralização da autoridade, os meios financeiros, o ambiente e o comportamento dos principais atores econômicos e as relações desses com o Estado. No referencial institucionalista histórico um conceito que ostenta lugar destacado é o de path dependency. Nesse caso a dependência de trajetória histórica conta ao ponto de tornar elevados os custos de reversão de escolhas políticas desta ou daquela nação. Para ilustrar nos reportaremos aos desdobramentos recentes da denominada reforma política em tramitação no congresso brasileiro.

O Método Comparado
A tradição de estudar política recorrendo a observação comparada é antiga nas ciências sociais, remontando dentre seus principais expoentes a Max Weber, ou se quisermos recuar mais ainda chegaremos a Tocqueville no século XIX. Para Sartori a abordagem científica por si é intrinsecamente comparativa (SARTORI, 1994). Respondendo a indagação de o porquê comparar o autor afirma que o método comparativo é um método de controle porquanto ao identificar regularidades ou causalidades refutáveis pelos demais cientistas sociais, as leis derivadas da análise comparada devem aportar conhecimentos validados. A verificação comparativa, portanto é parte essencial do background epistemológico da Ciência Política. Nessa linha o ponto essencial consiste na definição do que é comparável e sob que ponto de vista ou, mais precisamente, que atributos específicos são comparáveis.
Sartori adverte para o risco das correlações espúrias, isto é, o risco de se comparar fenômenos sem associação. No divertido e consagrado exemplo dos “perro-gatos” são desenvolvidas quatro causas que podem comprometer a modelagem comparativa. São elas: lª) o localismo; 2ª) a classificação incorreta; 3ª) o gradualismo e a 4ª) elasticidade conceitual. O localismo consiste nos estudos uni-nacionais “em vácuo” que desprezam as categorias estabelecidas pelas teorias gerais. Como conseqüência produz o paroquialismo na medida em que se abusa do início ao fim de uma terminologia própria sob a inspiração de conjunturas eminentemente locais ou regionais. Já as classificações incorretas se caracterizam pelas construções de pseudo-classes, que com pouco ou nenhum critério a tudo incorporam. Polemizando com Huntington acerca das origens dos partidos únicos, Sartori refuta o argumento de que os sistemas de partidos únicos resultam do acúmulo de clivagens, porquanto tal resposta jamais será respondida satisfatoriamente. Para uma classificação correta dos partidos únicos indica que é necessário isolar os contextos em que não é autorizada a existência de um segundo partido ou se ele não existe. O gradualismo por sua vez implica que as diferenças de gênero seriam mais bem percebidas pelas diferenças de grau. Desse modo se opta pela fracionalização ad nauseum dos modelos abrindo mão das dicotomias. Por último, a elasticidade conceitual é identificada como causadora de erros e incoerências comparativas. O uso abusivo do conceito de ideologia, por exemplo, termo sem oposto e que se aplica a tudo, foi despotencializado como instrumento de análise por conta de seu alargamento até o ponto de perder seu sentido, na dimensão de que se “tudo é, nada é”.
Numa outra direção Bertrand Badie sustenta que os objetos comparados pertencendo ou não a diferentes países se justificam plenamente, conquanto tenham suficientes pontos em comum para pertencer a uma mesma categoria, e desse modo validar a comparação além de torná-la útil. Discorrendo sobre o método comparativo clássico (BADIE, 1984), ou mais exatamente, sobre sua crise, o autor localiza nos anos sessenta a evidência da fragilidade metodológica no que tocou a apreciação das transformações do objeto político à época. Sendo assim foi questionado se havia sentido em comparar os parlamentos de países europeus como Inglaterra e França com o de países africanos ou asiáticos descolonizados ou em processo de descolonização. Uma tentativa de resposta nos marcos da análise comparativa clássica foi o desenvolvimentismo, cuja pressuposição era de que os conflitos islâmicos, ou o fracasso de regimes africanos, ou as peculiaridades do funcionamento da vida política na Índia consistiriam em sinalizações de atraso de um passado renitente a adentrar numa ordem política mundial racional e universal. Como conseqüência o desenvolvimentismo mais do que salvar o método comparativista clássico aprofundou sua crise desdobrando-a em três características: a crise do universalismo, a crise da explicação e a crise da relação com a história.
A crise do universalismo partia da convicção de que não poderia haver Ciência Política sem a aplicação de conceitos e práticas universalmente válidas, a despeito de distintas situações políticas. Os politólogos ocidentais nutriam a crença de que conceitos como nação, democracia, estado, democracia representativa, espaço público e sociedade civil eram universais. Não necessariamente. O que é admissível é que são categorias da história ocidental cuja aplicação sem critérios em outros contextos faz reproduzir senão o velho etnocentrismo das ciências sociais do século XIX. É pouco provável que se possa refletir adequadamente sobre o objeto político sem levar em conta a intervenção dos códigos culturais e do desenvolvimento histórico de unidades particulares. Mas a indagação que se impõe é; seria possível o desenvolvimento das Ciências Sociais ante a severa restrição da universalização conceitual? O que é desejável aos estudos comparados é que se empreenda a devida distinção entre conceitos mono-culturais relacionados a uma determinada história e os conceitos trans-culturais passíveis de universalização e transcendentes a esta ou aquela comunidade.
Com efeito, a crise do paradigma universalista desemboca na crise de sua faculdade explicativa. Ao se admitir que os processos políticos contenham uma indiscutível especificidade, equivale a colocar em xeque os paradigmas explicativos, sobretudo os desenvolvimentistas. Por seu turno se torna cada vez mais difícil a afirmação de que há fatores determinísticos e universais a condicionar a história e as culturas, como por exemplo, o determinismo econômico da tradição marxista, mas, bem esclarecido, não só a tradição marxista.
Uma evolução importante e que não concede espaço ao paradigma determinista se encontra em Rokkan na utilização do modelo das clivagens para explicar a origem dos partidos políticos europeus no século XIX. Nessa perspectiva a Revolução Industrial e a formação do Estado Nacional produziram clivagens que enformaram os conflitos entre capital e trabalho, cidade e campo, estado e igreja e comunidades regionais e a nação (ROKKAN, 1975).
A crise do método comparativo clássico e sua relação com a história pode ser compreendida a partir da incapacidade em integrar a dimensão histórica na análise dos objetos sociais que se pretende comparar. Segundo Badie e Helmert:
... O desconhecimento desta dimensão (histórica) torna artificial e ilusória qualquer comparação, já que ao considerar somente as manifestações contemporâneas, a análise corre o risco de deixar de lado toda a profundidade que a história pode revelar como singular e excepcional.” (BADIE e OLMERT, XXXX).
A opção em não considerar a história se expressou atravéz de dois modelos distintos. De um lado as teorias behavioristas segundo o qual a ciência política e a história constituem duas disciplinas distintas e independentes entre si, de outro lado as teorias sociológicas que atribuem à história um sentido a priori.
As teorias comportamentais foram predominantes no contexto dos anos sessenta e atribuíam ao politólogo a missão de observar o funcionamento do sistema político, fixar sua medida e delimitar suas normas mediante técnicas de quantificação. O resultado foi a edificação de uma análise sistêmica em que os mecanismos da vida política enfeixavam um todo coerente e identificável. A análise behaviorista nessa perspectiva encerrava ao menos três perigos. O primeiro dizia respeito a uma conceitualização universal do político. Em segundo lugar, a definição essencialista do político implicava numa visão trans-histórica das práticas políticas menosprezando suas transformações ao longo do tempo, assim como nesse modelo não eram incomuns as descrições inverídicas do funcionamento dos sistemas políticos extra-ocidentais , produzindo descrições alheias à realidade. E em terceiro lugar, o behaviorismo produzia uma análise sistêmica que concedia pouca atenção ao que era específico das crises e as transformações que delas resultavam (BADIE, 1994). As teorias teleológicas que atribuem um sentido apriorístico à história, como são o caso do evolucionismo e do marxismo, tem em comum proposições menos interessadas em levar a cabo um empreendimento comparativista, pois pretendem mensurar as fases e as desfases consoantes a seus respectivos modelos explicativos.
Charles Tilly indicou na defesa da história como constituinte dos estudos comparados que fotografar uma ordem política em um momento dado equivale a preferir o poder e não a oposição, o legítimo e não o ilegítimo, a relação e não a ação social. É propriedade desse autor também uma profícua reflexão sobre análise comparada. Segundo Tilly as transformações sociais ocorridas no século XIX, ensejaram um contexto onde se desenvolveram nossas idéias atuais para a análise de “grandes estruturas sociais, amplos processos e enormes comparações” entre distintas experiências sociais. Essas transformações produziram marcos políticos e sociais que sobreviveram ao longo do século XX.
Partindo de um balanço crítico do legado do século XIX sem, entretanto, deixar de advertir de que não se trata de um acerto de contas com os seus respectivos teóricos, Tilly sugere que uma leitura inadequada das mudanças sociais no século XIX, produziu os “oito postulados perniciosos do pensamento social do século XX” (TILLY,1984).
Sinteticamente os oito postulados seriam os seguintes: 1º) considerar a sociedade como algo à parte, 2º) a interpretação do comportamento social como produto de processos mentais individuais condicionados pela vida em sociedade, 3º) as transformações sociais como fenômenos gerais e coerentes, 4º) a visão etapista das mudanças sociais com a sucessão de fases inferiores e superiores, 5º) a diferenciação como condição para o progresso, 6º) uma diferenciação demasiada rápida como geradora de desordem social, 7º) a rapidez das transformações como causa de comportamentos reprováveis como o crime, a loucura, o suicídio e as rebeliões, e 8º) as formas “ilegítimas” e “legítimas” de conflito e coerção explicados a partir de processos de transformação e desordem por um lado, de outro os processos de integração e controle.
Conforme Tilly os oito postulados são equivocados. De acordo com o autor as oito ilusões possuem uma clara conexão, pois são deduzidas de uma divisão radical entre as forças da ordem e as forças da desordem. As forças da ordem seriam constituídas pela sociedade, a integração, a satisfação, o controle legítimo, o progresso e a normalidade. Em oposição às forças da desordem consistiriam nos processos mentais individuais, na desintegração, na tensão, na violência, na decadência e na anormalidade.
Ao considerar como equivocados e insatisfatórios os postulados Tilly indica como construir análises históricas concretas de grandes estruturas e de amplos processos. Nesse sentido as análises deveriam ser objetivas ao se referirem ao tempo, aos lugares e as pessoas reais. Históricas, recortando o período de tempo e reconhecendo desde o início a importância da dimensão temporal. Desse modo as seqüências afetam as modalidades das ocorrências indicando que toda a estrutura ou processo constituem uma série de possibilidades de eleição.
Sobre análise comparada Tilly expõem quatro estratégias ou quatro abordagens para a produção de estudos comparados. As quatro estratégias seriam: 1ª) as comparações individualizadoras, 2ª) a comparação universalisadora, 3ª) a comparação globalizadora e a 4ª) identificadora de diferenças. A comparação individualizadora é aquela em que a ênfase recai sobre a singularidade dos processos. O exemplo clássico pode ser encontrado em Max Weber em seus estudos sobre a influência da ética protestante sobre o capitalismo. Já a comparação universalizadora privilegia o foco nas propriedades comuns dos objetos investigados. É o caso de Theda Stockol ao estudar as revoluções na França, Rússia e China. A comparação globalizadora é representada pelas teorias da modernização. Stein Rokkan ao explicar o surgimento dos partidos políticos europeus a partir das clivagens produzidas pela Revolução Industrial e a formação do Estado Nacional situa sua análise nessa perspectiva. A quarta estratégia é a comparação a partir da identificação das diferenças. As variáveis independentes são valorizadas e potencializam o estudo do comportamento de algumas forças como o Estado, a burguesia ou os camponeses.

A Escolha Racional e o Institucionalismo Histórico

A Escolha racional e o Institucionalismo histórico se situam entre as principais subcorrentes do Neo-institucionalismo. De comum entre elas o fato de considerar os estudos dos processos políticos tendo como variável independente as instituições. Uma distinção a se fazer é que os adeptos da Escolha Racional se valem do individualismo metodológico, que não é utilizado pelos institucionalistas históricos e sociológicos.

A Rational choice

Grosso modo, a teoria da Escolha Racional vê as instituições como potencialmente dotadas de problemas de ação coletiva considerando a visão utilitarista do indivíduo, que na busca da maximização de seus interesses privados reserva pouco ou nenhum interesse para cooperar interagindo politicamente. Na perspectiva de uma lógica dedutiva as instituições se compõem de atores individuais que tomam decisões e que agem a partir de escolhas e interesses pessoais. Um autor importante dessa escola é George Tsebelis.
Tsebelis focaliza sua atenção nos processos decisórios nos sistemas políticos e nas condições que são criadas para a estabilidade das políticas públicas. Em seu modelo o conceito de veto player é fundamental para a compreensão da dialética estabilidade/instabilidade das políticas públicas. Tsebelis sugere que a estabilidade das políticas públicas é fonte de instabilidade dos governos ou dos regimes, por conta dos veto players. Os veto players são os atores individuais e coletivos que são necessários para a promoção de mudanças nos status quo. O conceito de veto player se origina da doutrina dos pesos e contrapesos expressos na constituição norte-americana e nos textos constitucionais clássicos do século XVIII. As mudanças no status quo por sua vez estão condicionadas pelo tamanho do winset, isto é, pelo tamanho da área ou do espaço decisório dos veto players. Tanto quanto maior for o winset maior será a probabilidade de mudanças no status quo (TSEBELIS, 2002).
Segundo o autor a estabilidade das políticas públicas de um sistema político depende de três características de seus veto players e que são tratadas como variáveis independentes: seu número, sua congruência (a diferença entre suas posições políticas) e sua coesão (a similaridade das posições políticas das unidades que constituem cada um deles). O número de veto players institucionais varia de acordo com o assunto em discussão. Via de regra um sistema com múltiplos veto players incongruentes e incoerentes tem dificuldades para a apreciação de temas que demandam uma rápida decisão, como por exemplo, os relativos à política monetária de um país para fazer frente à inflação ou taxa de câmbio. Nesse caso se opta em delegar o processo decisório a uma autoridade constituída especificamente para essa finalidade.
Consequentemente os sistemas com múltiplos veto players incongruentes e coesos deverão revelar níveis mais elevados de estabilidade no processo de formulação de políticas (múltiplos vetos players>incongruência>coesão>estabilidade) do que sistemas que contam apenas com um único veto player ou um pequeno número de veto players sem coesão e congruentes (único veto player>>. congruência<coesão<estabilidade).

O Institucionalismo Histórico

Com outros referenciais o institucionalismo histórico surge como reação às correntes dominantes da Ciência Política nos anos sessenta e setenta, o comportamentalismo e o neo-marxismo. A política comparada do período se assentava no pluralismo e no comportamentalismo que propunham explicar as diferenças entre os países a partir das atitudes e dos comportamentos dos grupos e dos indivíduos. À destarte da crítica às correntes mencionadas o institucionalismo histórico herdou algumas de suas proposições (FERNANDES, 2002). Do pluralismo lançou mão da idéia de que o conflito de grupos rivais por recursos escassos estaria no centro da política. Concomitantemente a análise é complementada sugerindo que os resultados distintos entre os países devem ser encontrados pela organização da estrutura econômica e política, que conflita ou privilegia determinados grupos em detrimento de outros. Em relação ao estruturalismo os institucionalistas históricos utilizam a idéia de que a política é um sistema de partes integradas, embora discordem da relação uni-causal como condicionante das condutas sociais e culturais dos indivíduos.
O institucionalismo histórico tem origem nos estudos de política comparada dos anos setenta e oitenta que remontam a tradição teórica de Max Weber e Karl Polanyi. A análise institucionalista objetiva a proposição de teorias que dêem conta em explicar o desenvolvimento econômico e político entre unidades supranacionais, nacionais e demais escalas menores como regiões e cidades, por um período de tempo determinado. A variável independente nesses casos seriam as instituições intermediárias como a burocracia, o eleitorado, a relação Estado-sociedade, o processo decisório na política, a elaboração das políticas públicas, etc.. A história das estruturas sociais e as preferências dos atores envolvidos nos processos decisórios compõem a moldura dos espaços de interação (conflito/cooperação) da política, e definem a configuração das instâncias reconhecidas de coordenação coletiva, ou seja, as instituições. A diferença básica entre o institucionalismo histórico e a escola da escolha racional ou pública é que os institucionalistas explicam as estratégias dos grupos sociais e indivíduos numa dada seqüência histórica a partir das estruturas reconhecidas de coordenação coletiva, enquanto aqueles que se situam no plano da rational choices partem do comportamento maximizador dos indivíduos para explicar as preferências e decisões políticas das instituições.
Um conceito caro ao institucionalismo histórico, que tem origem na economia, é o path dependency. Em poucas palavras quer dizer que o tempo conta! A path dependency enfatiza o impacto dos legados políticos como condicionantes das preferências e/ou decisões políticas. Dito de outro modo significa que numa dada seqüência histórica de desenvolvimento de um país ou de uma outra unidade em análise, são estabelecidas preferências que são difíceis de serem modificadas, ou os custos para sua reversão são demasiadamente altos.
Paul Pierson, em “Politics in Time”, 2004, buscou estabelecer uma conexão entre a história e as Ciências Sociais. Na obra o autor procurou enfatizar a dimensão temporal como preditora da análise do mundo sistêmico da política. Segundo Pierson, na economia a path dependency é também denominada de increasing returns (retornos crescentes). Em linhas gerais, retornos crescentes implicam que a probabilidade de modificação de uma trajetória estabelecida aumenta na medida em que as mudanças se orientam para a mesma trajetória (positive feedback). Sendo assim, os custos para trilhar uma rota alternativa (rupturas) crescem. Portanto, de acordo com esse modelo os feedbacks positivos são potencialmente relevantes no sentido de induzir a novos padrões históricos de desenvolvimento intitucional. As instituições uma vez submetidas aos efeitos path dependency produzem uma lógica própria e geram conseqüências imprevistas aos seus próprios idealizadores.
Conforme Pierson importa situar toda análise no tempo a despeito das particularidades do objeto em estudo. Todo o projeto social de desenvolvimento institucional se situa num contexto temporal. Os esforços empreendidos para o aperfeiçoamento institucional só podem ser amplamente compreendidos se forem tomados como efeitos de todo um longo processo e de fases historicamente determinadas. O autor destaca alguns mecanismos condicionantes da mudança institucional como os problemas de coordenação (equilíbrio), os pontos de veto (as resistências), a especificidade dos ativos e o positive feedback.

A reforma política no Brasil

Por seu turno, as análises originadas dos modelos de análise que se utilizam da path dependency ajudam a compreender a poderosa inércia e a persistência de certos aspectos do desenvolvimento político institucional. Para ilustrar nos reportemos à tramitação da denominada reforma política no congresso brasileiro. Com a crise política instalada no governo do presidente Lula no ano de 2005, tendo como epicentro o financiamento das campanhas eleitorais a partir de “recursos não contabilizados” pelos partidos da base do governo, nas eleições municipais de 2004, veio à tona, tanto pela situação como pela oposição, como uma espécie de panacéia universal, o tema da reforma política. Tudo indicava que por força da crise estariam reunidas as condições para colocar na ordem do dia uma pauta que já vinha tramitando há algumas legislaturas, e que até então tinha pouca ou nenhuma chance de ir à votação em plenário. O próprio presidente reeleito em 2006 indicava que a reforma política deveria ser uma das mais importantes de seu segundo mandato. O anteprojeto de reforma amplamente divulgado pela imprensa dava conta de que estava se produzindo um amplo consenso em torno das propostas do relator, deputado Ronaldo Caiado do DEM-GO, que defendia dentre outras coisas o voto em lista fechada, o financiamento público das campanhas eleitorais, a fidelidade partidária, cláusula de barreira, etc.. Contudo, o que se pode dizer até o momento é que o intento dos reformistas não logrou êxito. A discussão em torno do voto em lista fechada e sua derrota por 245 votos não, e 194 votos sim, em sessão plenária, em 13 de junho desse ano, talvez seja ilustrativa se quisermos nos valer dos efeitos path dependency e para explicar o resultado.
Em “Governabilidade e Democracia Natural”, 2007, Wanderley Guilherme dos Santos nos apresenta dados interessantes: “Entre 1945 e 2006 ocorreram 16 eleições gerais para preenchimento de vagas na Câmara dos Deputados e nas assembléias legislativas estaduais. Multiplicando-se o número de eleições pelo número de estados onde se processaram – iniciando-se com 21 unidades da federação em 1945 e alcançando 27 a partir de 1990-, obtém-se a nada desprezível casa de 752 eleições, entre pleitos nacionais e estaduais, totalizando mais de meio século de vida partidário-parlamentar, nunca interrompida desde a queda do Estado Novo. Isso é raro na América Latina e temporalmente similar a todos os países da OCDE no mesmo período (pós-1945)......” No mesmo parágrafo o autor conclui que a participação do País na elipse democratizante internacional é “bastante razoável”. É importante destacar também que mesmo considerando o período autoritário no Brasil (1964-1985) a competição eleitoral partidária para a Câmara dos Deputados e assembléias estaduais, não se intorrempeu em que pese regras restritivas nas eleições de 1966, 1970, 1974 e 1978.
Do que foi dito acima cumpre acrescentar que no período destacado pelo autor, isto é, de 1945 a 2006, as eleições para o preenchimento das vagas legislativas se deram mediante a votação em lista aberta. A rigor o Brasil adotou a votação em lista aberta antes de países que se notabilizaram pela utilização do modelo, o caso da Finlândia em 1955 e do Chile em 1958 (NICOLAU, 2006). Entrando brevemente no mérito do debate lista aberta versus lista fechada, destaca-se a reflexão de autores que demonstram a partir de regressões que não há procedência em associar sistemas partidários fracos a lista aberta e sistemas fortes com lista fechada (MARENCO, 2006). Tampouco os casos de corrupção eleitoral se constituem em argumentos favoráveis a lista fechada.
O desfecho desfavorável à votação em lista fechada na Câmara dos Deputados pode ser explicado a partir de distintas vertentes. Paul Schmitter partindo de um modelo indutivista adverte para a existência de uma complexa interdependência que impossibilita a adoção de modelos teóricos abrangentes como nexos explicativos totalizantes (SCHMITTER, 2006). De todo o modo, se utilizando de abordagens associadas ao institucionalismo histórico, mais especificamente a path dependency, podemos articular justificativas que consideram a derrota da lista fechada como uma conseqüência poderosa dos efeitos de um modelo (lista aberta) institucional que vem sendo utilizado a 16 eleições, ou se preferirmos, há 60 anos. A maioria dos parlamentares e dos partidos relevantes, excetuando-se o PCdoB, estimulados pelas pesquisas de opinião pública, cujos resultados expressavam uma contrariedade à adoção da lista fechada, percebida pelos eleitores como introdução de uma medida restritiva/não inclusiva , fechou questão em torno da lista aberta, porquanto à falta de incentivos e os elevados custos para os deputados optarem por uma significativa mudança de trajetória de uma cultura política.


Conclusão
O método comparado do qual se vale o Neo-Institucionalismo e suas correntes mais importantes, como a rational choice e o institucionalismo histórico operam num procênio cujo pano de fundo é a democracia. Dito de outra forma, o horizonte normativo da Ciência Política contemporânea é a democracia.
De forma minimalista o que é essencial considerar numa ordem democrática é que existem dois tipos de funcionários que são eleitos direta e/ou indiretamente, o chefe do executivo e o corpo legislativo. Os funcionários selecionados nas eleições para o exercício do poder legal não resultam simplesmente do processo eleitoral. Para a configuração da democracia é fundamental que a responsabilidade governamental esteja diretamente vinculada aos eleitores ou ao parlamento de representantes.
No terreno normativo coincidimos com Przeworski que entende que num regime democrático a repetição dos processos eleitorais induz os governos para uma maior accountability, cria as condições para uma maior participação política em prol da igualdade de provimentos e a conquista da liberdade pode promover uma ambiente favorável a um sistema político racional (PRZEWORSKI, ALVAREZ e CHEIBUB, 2000).
Os estudos comparados que focalizamos nesse artigo a partir de Sartori, Badie e Tchily, se constituem como a principal ferramenta metodológica da Ciência Política contemporânea e a que mais produz resultados relevantes para a compreensão das condições de estabilidade e mudança institucional. Importa assinalar que a análise comparada bem concebida permite uma conciliação fundamental entre a empiría e a teoria. Os autores também advertem para a ineficácia de construtos a partir do paroquialismo bem como o perigo das comparações espúrias. Do ponto de vista metodológico as críticas formuladas a análise comparada são de duas ordens: o número e o processo de escolha de casos e a base de evidência histórica para a demonstração das causalidades.
Tanto a rational choice quanta a análise institucionalista histórica possuem um denominador comum: as instituições importam! Os estudos políticos que se valem do conceito de path dependency como, por exemplo, o de Putnam, que trabalha a história como variável independente e as políticas de descentralização de determinadas regiões da Itália como variável dependente, para explicar seu desenvolvimento a partir do capital social (PUTNAM, 1996), procuram analisar como as decisões dos sujeitos, repetidas e sobrepostas no decorrer de uma linha de tempo são capazes de produzir instituições. Instituições cujo legado de ordem política e econômica conformará o leque de possibilidades e de escolhas preferenciais em que os atores coletivos na base do conflito ou da cooperação farão girar a roda da história para frente ou para trás, mas isso é outra história!

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