Em boa medida os contornos principais do texto são atuais e úteis para o debate contemporâneo sobre o papel da representação política nos legislativos
Click em mais informações para ler texto na íntegra
Delegação, Ação Coletiva e
Accountability
nos Estudos Legislativos
O lema neo-institucionalista nos anos
oitenta do século passado - As instituições importam! – muito
mais do que uma profissão de fé de cientistas políticos
ocidentais, expressou uma síntese e um acordo entre suas principais
correntes, o institucionalismo histórico e a escolha racional ou
pública. A abordagem institucional pressupõe que as instituições
importam tendo em vista os efeitos que produzem sobre o comportamento
dos atores políticos e sobre as sociedades. Nos legislativos a
análise institucional remarca o impacto dos outros poderes, das
normas constitucionais, dos regimentos, dos partidos, das lideranças
e demais organizações societais sobre o comportamento e a
performance dos legisladores. No Brasil, a partir dos anos noventa,
sob a influência do neo-institucionalismo, houve um incremento dos
estudos sobre o Poder Legislativo , tendo como referência o debate
teórico e a produção acadêmica norte-americana. Considerando a
moldura da discussão dos politólogos sobre o congresso
estadunidense e sobre o parlamento europeu, o neo-institucionalismo
propõe construtos que procuram dar conta da agenda de pesquisa e de
estudos sobre o legislativo.
A partir dos estudos legislativos
sobre o congresso norte-americano e as democracias parlamentaristas
européias, os modelos teóricos abrangentes que a literatura
especializada evidencia são o distributivista, o informacional e o
partidário. O viés distributivista valoriza os resultados no
processo decisório e o desempenho legislativo dos representantes, a
imagem e propaganda pessoal, a autoria (credit
claiming)
e a tomada de posição em relação às votações congressuais
(MAYHEW, 1974). A perspectiva informacional enfatiza o papel das
comissões como “mini” reprodução do plenário e como ambiente
de especialização. A informação é sobrevalorizada e conta como
principal insumo para a decisão (KREHBIEL, 1992). Já a partidária
remarca o poder de agenda do partido por meio dos “speakers”
e a influência das lideranças na designação dos assentos nas
comissões congressuais. Na versão da “teoria do cartel
procedimental”, o maior partido do congresso nada mais é do que
uma coalizão que vai monopolizar o poder de agenda dos
representantes (COX e MCCUBBINS,1993). No caso das democracias
parlamentaristas, o papel do partido será ressaltado em todas as
etapas da delegação, sobretudo, no que concerne ao preenchimento
das funções governativas e dos cargos públicos. (STRÖM, MÜLLER e
BERGMANN, 2006)
A vertente “distributivista”,
dentre outros autores relevantes, é trabalhada por David Mayhew e
Douglas Arnold, a “informacional” por Keith Kriehbel e a
“partidária” por Roderick Kiewiet, Mathews Mccubbins e Gary Cox.
Na moldura partidária cabe destacar também os trabalhos de autores
europeus sobre a delegação e controle dos representantes nas
democracias parlamentaristas, no caso, Kaare Ström, Torbjörn
Bergman, Wolfgang Müller e Arthur Lupia.
A delegação de autoridade para
representantes do povo deliberarem /governarem em seu nome e as
formas de controle de parlamentares e governantes pelos seus
constituintes, são temas clássicos revestidos de grande atualidade
para velhas e jovens democracias. O objetivo desse breve artigo é
focalizar a partir de autores representativos da vertente partidária
dos estudos legislativos, dois temas centrais para a ciência
política contemporânea; a delegação e a accountabillity.
Para esse empreendimento percorreremos as rotas traçadas por Kiewiet
e Mccubbins, que tematizaram a delegação no congresso
norte-americano numa perspectiva distinta e contraposta à hipótese
da abdicação da delegação. Considerando as experiências
parlamentaristas na Europa, Arthur Lupia e Kaare Ström oferecem um
abrangente panorama acerca dos perigos e desafios da delegação bem
como da accountabillity,
ou as formas de controle dos representantes.
A delegação e o agenciamento de
problemas
Ao tematizarem a delegação dos
constituintes para os representantes em seus estudos sobre o
congresso norte-americano, Kiewiet e Mccubins partem de imediato para
o estabelecimento de um contra-ponto com a teoria da hipótese da
abdicação, tratando em seguida de argüir que é possível delegar
a autoridade para outros e obter os resultados desejados.
Entrementes, a hipótese da abdicação da delegação é definida
por meio da manipulação da policy-making
a partir da atuação do(s) partido(s) no congresso. Nesse caso a
delegação resultaria numa abdicação, que em alguns episódios
seria pequena, noutros precipitada e, em algumas situações quase
completa. Em contraste com aquela literatura os autores assinalam que
a delegação constitui um fato incontroverso nas modernas e
complexas democracias de massa. Os partidos no congresso delegam a
produção legislativa para os membros dos comitês e o congresso
define na lei as tarefas específicas que serão delegadas ao
executivo e às agencias de governo. A alternativa à hipótese da
abdicação, portanto, sustenta que é possível, desejável e
inevitável delegar a autoridade para outros e alcançar os
resultados desejados:
“The
alternative we pose to the abdication hypothesis is that it is
possible to delegate authority to others and yet continue to achieve
desired outcomes. Indeed, it is often the case that desired outcomes
can be achieved only by delegating authority to others.”
(KIEWIET e MCCUBBINS,
1991).
Segundo os autores são três as
formas de delegação da autoridade para a produção de políticas
no congresso norte-americano. Primeira, dos partidos para as
comissões e sub-comissões congressuais. Desse modo estaria
assegurado o princípio jeffersonniano da eficiência legislativa, em
que as discussões gerais dar-se-iam no plenário (in
the floor) e os
detalhamentos nas comissões. A segunda, do congresso para o
presidente, destacadamente o poder de veto presidencial. E a
terceira, do congresso para as agências de governo e às
burocracias. Como veremos adiante essa última é uma dimensão
importante para a teoria do principal e do agente, considerando as
ameaças à delegação decorrentes das perdas de agenciamento –
agency loss.
Todavia, para Kiewiet e Mccubins o que importa, em correspondência
com as teorias organizacionais,1
é menos a autoridade delegada e mais os ganhos de eficiência que se
podem obter com as formas assumidas pela delegação.
O agenciamento de problemas que se
originam da ação coletiva é uma tarefa que a delegação de
autoridade procura solucionar equilibradamente. A natureza complexa
da relação contemporânea entre ação coletiva e delegação pode
ser ilustrada levando-se em consideração a previsão orçamentária
entre a primeira legislatura norte-americana de 1789, e as mais
recentes. Enquanto que àquela lidava com uma receita de um milhão
de dólares, as legislaturas hodiernas trabalham com orçamentos
superiores a casa do trilhão de dólares.
Para os autores as teorias da escolha
social descrevem três elementos problemáticos nas ações coletivas
e que reforçam a importância da delegação e das instituições
para a resolução coordenada e equilibrada das questões públicas.
A primeira e mais familiar seria a do “dilema dos prisioneiros”2.
Um bom e notório exemplo do famoso “dilema” consistem nas
políticas públicas. As comunidades têm interesse em políticas
públicas que beneficiem a todos. Mas há aqueles que mesmo sem
contribuírem para as provisões acabam se beneficiando. Essa
situação gera incentivos para surgirem os “caronas” – free
ride – que são aqueles
que subtrairão ou farão pouco esforço para suplementarem as rendas
públicas. O ponto fulcral aqui é que indivíduos com incentivos
para maximizarem seus interesses acabam por se oporem à
coletividade. Caso típico em que uma escolha individual racional
gera um resultado coletivo irracional.
Os problemas de coordenação
constituem o segundo elemento problemático das ações coletivas.
Enquanto que no “dilema dos prisioneiros” a estratégia dominante
produz um ineficiente equilíbrio, nos problemas de coordenação os
membros de uma determinada comunidade desconfiam ou se encontram
diante de incertezas referentes às estratégias perseguidas pelos
demais membros. Como decorrência os múltiplos sujeitos quase nunca
concluem com êxito a coordenação de seus problemas, exacerbando-os
toda vez que diferentes alternativas acabam por beneficiar apenas a
alguns grupos ou poucos cidadãos. Um outro obstáculo para a ação
coletiva é a instabilidade das escolhas sociais. A instabilidade diz
respeito à ação de um ou mais membros de uma comunidade, que ao
atuarem estrategicamente podem manipular um processo decisório para
a obtenção de vantagens. Quando o poder de agenda é manipulado
dessa forma o resultado, via de regra, é que um pequeno grupo vai
obter vantagens às expensas da maioria. As conseqüências vão
desde o colapso da ação coletiva até a fragmentação e ameaça de
existência da própria comunidade.
No entanto os autores enfatizam que
os problemas da ação coletiva na maior parte dos casos, são
superados e realizados por organizações e instituições públicas.
São as instituições/organizações que tornam possível a
superação do “dilema dos prisioneiros” e que criam as condições
para dar estabilidade às decisões com efeitos coletivos. As formas
organizacionais para a ação coletiva são muitas: empresas, serviço
civil, associações de bairro, sindicatos, assembléias
representativas, agências do governo, etc. O que as organizações
tem em comum é o fato de que, mesmo em suas mais proeminentes
formas, a autorização para agir pressupõe a indispensável relação
entre o principal e o(s) agente(s). A teoria sociológica define a
organização como o locus
de relacionamento entre principal(is) e agente(s). A delegação do
principal para o agente é a chave para a divisão do trabalho e para
o desenvolvimento da especialização. Exponenciais resultados são
obtidos se as tarefas são delegadas para agentes talentosos,
treinados e com perfil adequado. Os autores afirmam que:
“Quando todos dizem e fazem é
que as firmas lucram, a economia cresce e os governos governam !”
(KIEWIET / MCCUBINS,1991).
Nessa relação (principal/agente),
os agentes tratarão de maximizar os seus esforços na perspectiva da
obtenção de retornos vantajosos a despeito das restrições ou dos
incentivos oferecidos pelo principal. Já o principal procurará
estruturar a relação com o agente tendo em vista o melhor
resultado, justificando desse modo a autoridade delegada. Todavia é
natural que surjam conflitos de interesse entre principal e agente.
Como conseqüência desse conflito de interesses o principal se
afastará do ponto ideal de suas preferências e verá diminuído o
curso de sua ação ocasionado pela perda de agencia, agency
loss. A seguir veremos como
Kaare Ström e Arthur Lupia, tendo como pano de fundo as democracias
parlamentaristas, abordam a delegação, o agency
loss e os procedimentos de
controle, accountability,
tendo em vista a mitigação ou a redução em níveis toleráveis
das perdas de agência.
Delegação e agency
loss no
parlamentarismo
A preciosa reflexão proposta por
Kaare Ström sobre a democracia parlamentarista e a delegação,
parte de alguns importantes pressupostos. Para o autor, as
democracias buscam várias formas de tornarem os
governantes/representantes responsáveis ante os cidadãos. O que
torna o parlamentarismo e os demais regimes democráticos é,
precisamente, a existência de mecanismos de seleção e controle,
que conferem aos constituintes a condição de principais na relação
com os seus representantes. Partindo de um tipo ideal o autor afirma
que o parlamentarismo é um regime particular de delegação e
controle com duas importantes propriedades: sua singularidade ou
hierarquia e a delegação indireta. A singularidade implica que para
um principal correspondem um ou poucos agentes subordinados, enquanto
que a delegação indireta denota que poucos são os agentes eleitos
diretamente. Tal configuração institucional acrescida da coesão
partidária justifica um fenômeno típico do parlamentarismo, que é
o controle da agenda exercido pelo executivo.
A delegação pode ser caracterizada
como um dos traços distintivos dos governos modernos. Ström assume
que nas sociedades democráticas a delegação se justifica tendo em
vista o “bom governo”. Reportando-se a Dahll o autor descreve os
três critérios basilares da delegação: o critério da escolha
pessoal, o da competência e o da economia. Dahll explica o critério
da escolha pessoal como um processo em que as decisões tomadas pelos
representantes corresponderão às preferências majoritárias dos
constituintes. O critério da competência deverá assegurar que o
processo decisório seja informado por competências especiais e, ao
mesmo tempo, superiores a procedimentos alternativos. Por último, o
critério da economia supõe que a despeito da imperfeição da
deliberação o processo esteja conforme aos dois critérios
anteriores e, de forma equilibrada, produza mais satisfação ao
economizar dos constituintes tempo, atenção e energia. (DAHLL,
1970)
Por seu turno, a delegação busca
lidar com os problemas decorrentes da agregação das preferências
coletivas. Considerando que os indivíduos num grupo agem
racionalmente é impossível gerar um ordenamento de preferências
que contemple a todos. Para ilustrar, Ström descreve o paradoxo de
Condorcet em que três indivíduos se deparam diante de três
alternativas; se aumentar o número de indivíduos indefinidamente o
mesmo sucederá às alternativas. Os pontos comuns dos problemas
derivados da ação coletiva decorrem, via-de-regra, dos incentivos
individuais ou de grupo(s) para a produção de resultados
invariavelmente ineficientes. Por conseguinte, a coordenação de
problemas coletivos mediante a delegação constitui o mecanismo mais
eficaz para que diante de uma variedade de opções se promovam as
decisões que gerem equilíbrios eficientes.
Delegação é em geral e
conseqüentemente um modo no qual os cidadãos procuram dar conta de
toda a sorte de desafios impostos às sociedades. Às democracias
representativas, conforme o autor, correspondem a um elo que vai dos
eleitores até o governo. Nesse elo, os principais delegam a tomada
de decisões aos agentes que atuam em seu nome e lugar. Todavia não
é tão óbvio assim que as preferências dos
constituintes/principais serão atendidas pelos
representantes/agentes. Se um agente tem preferências e incentivos
para agir de modo incompatível com o principal, a delegação
degenera em problemas ou perdas de agenciamento, agency
loss. O “mau
comportamento” dos agentes pode ser identificado sob diferentes
formas: diferenças políticas, lassidão, absenteísmo, corrupção
e incentivos “não republicanos” de observância às leis.
As políticas de accountabillity
portanto se referem aos mecanismos que podem conter o agency
loss. Um agente é
accountable
se é impelido a agir de acordo com o principal e é punido ou
recompensado por sua performance. Conforme Manin, Pwzeworski e
Stokes:
“...Governantes são
“accontables” se os cidadãos podem distinguir os agentes e
podem sancioná-los adeqüadamente. Um mecanismo de “accountable”
é portanto um mapa das ações dos funcionários públicos que podem
ser sancionados pelos cidadãos.” (MANIN,
PWZEWORSKI E STOKES,1999).
Accountabillity
pressupõe que o principal possui dois tipos de direitos sobre os
agentes: o direito de demandar informações e o direito de impor
sanções. As sanções podem ser empregadas ao se vetar e/ou
desautorizar as decisões tomadas pelos agentes, bem como a imposição
de penalidades específicas conforme o caso. Há os mecanismos
“ex-ante” que o principal lança mão para conter o agency
loss. Tais mecanismos são
radicados no emprego e no incentivo à competição entre os agentes.
Já os mecanismos “ex-post” enfatizam o controle e a contenção.
O fundamental é que, conforme Ström, o principal dispõe de uma
série de mecanismos para facilitar o accountable
e, por extensão, o resultado da delegação.
Sob o parlamentarismo o mecanismo
“ex-ante” que se lança mão para conter os problemas derivados
da delegação é o partido do governo. O modelo “Westminster” de
parlamentarismo pressupõe a centralização, a coesão e a
orientação partidária. Ström argüi que a organização
partidária alinha as preferências dos integrantes que ocupam postos
chaves no governo, os subordinando e centralizando. Como decorrência,
os partidos nas democracias parlamentaristas influenciam em todas as
etapas da delegação. O controle exercido pelo partido opera de
maneira a prospectar parlamentares com potencial para assumirem
cargos no gabinete. Os parlamentares credenciados pelo partido serão,
portanto, aqueles que assumirão os cargos. Com efeito, os partidos
ao influírem na administração suscitam controvérsias no que diz
respeito à competência, neutralidade e transparência do governo.
Muller assinala que:
“......o fato do papel dos
partidos deteriorarem quanto mais se desenvolve a delegação reflete
o aumento das informações assimétricas e a relevância das normas
de contenção.” (STRÖM,
MÜLLER e BERGMAN, 2006).
Para os partidos se tornarem
eficientes no governo não basta unicamente realizar suas
preferências, os legisladores devem considerar os demais objetivos
como a reeleição, os recursos de poder e as políticas públicas.
Para Ström as instituições do parlamentarismo reforçam e estendem
o poder dos partidos muito mais do que no presidencialismo. Mas se os
partidos adquirem relevância, por outro lado, eles têm incentivos
para diminuir a fiscalização sobre o executivo. A possibilidade de
alinhar preferências sobre todas as etapas da delegação por parte
da coalizão ou do partido majoritário, retira significativamente os
incentivos para a fiscalização de correligionários e aliados.
Desse modo o autor conclui que a transparência pode ser comprometida
em alguma etapa da delegação numa democracia parlamentar.
Accountabillity
e o papel das instituições
Para Arthur Lupia a delegação é um
conceito central nos estudos políticos e sua forma principal se
consubstancia mediante as agências de governo. O autor problematiza
a relação governante ou principal com os servidores civis, os
agentes. Nesse viés argumentativo a delegação permite ao principal
se beneficiar da perícia e da habilidade dos outros. Todavia a
delegação implica em riscos e perigos. Os perigos residem no fato
de que toda a delegação pressupõe mecanismos de transferência de
poder. Sendo assim, ao se transferir poder para os agentes, podem
ocorrer casos de exorbitância ou de abuso da delegação. No
limite, a concretização dos perigos da delegação suscita à perda
de controle dos governantes fazendo a delegação degenerar em
anarquia.
É imprescindível a accountabillity
para a delegação ser bem sucedida. No entanto, segundo Lupia, sua
definição não é uma tarefa simples. Na literatura especializada
por vezes a accountabillity
é empregada para caracterizar a efetividade e a eficiência da
administração e o desempenho particular de uma determinada agência
de governo. Mas o problema é que o termo pode ser utilizado de
diferentes modos. A accountabillity
pode ser compreendida também como um processo de controle. Nesse
caso os servidores civis ou numa linguagem sociológica, a
burocracia, será controlada por um principal que controla sua ação.
Para outros, a accountabillity
se constitui num tipo de resultado. O que interessa aqui é se a
burocracia atua em conformidade com o principal.
A definição adotada pelo autor é
que accountabillity
é uma forma de controle. Um agente é accountable
se o principal pode de antemão conhecer ou reduzir a incerteza sobre
o curso da ação de um determinado agente. Se o principal numa
situação A pode exercer mais controle sobre o agente do que numa
situação B, então a accountabillity
é maior na situação A. Lupia demonstra como os processos de
controle afetam os resultados. A agency
loss , a perda de agencia,
é o conceito que serve como métrica para a apuração do resultado
da delegação. A perda de agencia é a diferença entre o resultado
efetivo da delegação e o resultado pretendido caso a performance do
agente fosse perfeita ou ideal. Por perfeição o autor entende o
desempenho hipotético de um agente em plena conformidade com as
preferências de um principal dotado de informações e de recursos
ilimitados a serem empregados.
Posto que a agency
loss descreve o resultado
da delegação na perspectiva do principal, o autor afirma que se a
agency loss
é alta significa dizer que o resultado da delegação está distante
do ponto ideal do principal. O sucesso da delegação portanto diz
respeito ao aumento do bem-estar relativo do principal, caso tivesse
a opção em não delegar. A delegação não é bem sucedida quando
diminui o bem-estar relativo do principal.
Discorrendo sobre a delegação o
autor remarca que as democracias parlamentaristas pressupõem uma
série de delegações: dos eleitores para os parlamentares, dos
parlamentares para o governo, do governo para as agências e das
agências para os servidores civis. As propriedades da delegação
favorecem algumas conclusões gerais. A mais óbvia é de que toda a
delegação compreende um principal e um agente. Em seguida, pode-se
afirmar que as delegações ensejam a possibilidade de conflitos de
interesses. Os agentes não necessariamente possuem os mesmos
objetivos políticos ou preferências pelos resultados almejado(s)
pelo(s) principal(is). Outra conclusão inclui a possibilidade de um
ambiente no qual as informações são limitadas e como a delegação
pode ser afetada . Informações limitadas implicam que tanto o
agente quanto o principal não são oniscientes. Quando um agente
possui informações insuficientes o resultado é a ineficiência.
Para analisar e predizer quando a
delegação pode ou não ser bem sucedida, Lupia vai se reportar a um
modelo originário da economia desenvolvido por Romer e Rosenthal
(1978)3.
O modelo Romer-Rosenthal se propõe a revelar as causas fundamentais
do agency loss,
partindo de quatro situações dispostas espacialmente.
Primeiramente, o modelo prediz que não haverá agency
loss quando o principal e o
agente possuírem idênticas preferências politicas. Nesse caso se
assume que as proposições do agente serão aceitas pelo principal.
A crítica que recai aqui é por conta do irrealismo da predição,
pois se presume que o principal e o agente possuem informações
completas, isto é, não há incertezas e imprevisibilidades nos
resultados das ações de ambos. Nas duas situações seguintes o
principal e o agente possuem diferentes pontos ideais. Todavia ambos
se localizam no mesmo lado considerando o statuos
quo (SQ). A predição
nessas situações revela que tanto o principal quanto o agente
concordam com a direção da mudança, mas não com a sua magnitude.
O que há em comum é a existência de agency
loss, em maior ou menor
medida, dependendo da distância entre o ponto ideal do principal e
do agente. E na situação em que o principal e o agente estão em
lados opostos ao SQ, o preferível é que o agente não atue. Sendo
assim o agency loss
compreenderá a distância entre o principal e o status quo.
Comparando as situações o autor afirma que se a política ideal do
agente e do SQ se afastam do principal, o agency
loss pode crescer. E o
agency loss
também é considerável porquanto as alternativas propostas pelo SQ
não forem atrativas para o principal.
Outro ponto abordado se refere à
existência de informações incompletas e assimétricas e suas
conseqüências sobre a delegação. A informação é incompleta
quando o principal ou o agente não é capaz de predizer a
conseqüência de sua ação. Informação assimétrica ocorre quando
o principal conhece e o agente desconhece a conseqüência de sua
ação, ou vice-versa. Enfatizando as conseqüências das informações
incompletas e assimétricas sobre o principal, o autor afirma que, no
limite, quando a delegação ocorre nessas condições isso
equivaleria a uma abdicação.
Nas situações em que o principal
possui menos informações do que os agentes a delegação pode ser
ameaçada pela moral hazard
(atuação reprovável) e pela adverse
selection (má escolha) .
Lupia indica que a moral
hazard causa problemas para
a delegação na medida em que as ações empreendidas pelos agentes
seriam desaprovadas ou desautorizadas pelo principal. A moral
hazard consiste sobretudo
nos casos de abuso ou exorbitância de autoridade. No caso da adverse
selection os problemas
surgem quando determinadas características do agente não foram
detectadas pelo principal. A adverse
selection pode ser
observada notadamente nos processos eleitorais. Se dois tipos de
candidatos concorrem a cargos públicos, um com espírito
republicano, outro sem compromisso com a coisa pública, a adverse
selection pode ocorrer caso
os eleitores desconheçam as características e “vocações” dos
candidatos. Conforme o autor:
“A extensão do agency loss nas
eleições vai depender da capacidade dos constituintes em separar os
“dutifull” dos “knaves”!”
(LUPIA apud STRÖM, MÜLLER e BERGMAN, 2006)
Moral
hazard e adverse
selection incentivam o
principal a buscar informações sobre os agentes. Uma das vias pelas
quais as informações podem ser geradas são as instituições. As
instituições podem atuar de modo a produzirem incentivos para que
os agentes tornem simétricas as informações e se motivem para agir
em conformidade ou próximos das preferências do principal. Segundo
o autor, o design
institucional ou os mecanismos que podem incrementar o fluxo para o
provisionamento de informações dos agentes para o principal, tendo
em vista a contenção da degeneração da delegação em abdicação,
são de duas ordens: os mecanismos “ex-ante” e os mecanismos
“ex-post”. Os mecanismos “ex-ante” enfatizam a competição
entre agentes como forma de selecionar os mais destacados para o
cumprimento de determinadas ações. Outrossim, o principal pode
lançar mão de regras ou de contratos por tempo determinado ou por
tarefa. O ponto central aqui é o estabelecimento de interesses
comuns entre o agente e o principal. Desse modo o principal concede
incentivos ou algum tipo de ganho que compense os esforços dos
agentes. Os mecanismos institucionais “ex post” se orientam para
o controle e contenção sobre a atuação de agentes. Para obter
informações sobre a performance dos agentes o principal pode
utilizar o monitoramento direto, solicitar relatórios e incentivar
outros agentes institucionais ao controle. O autor remarca que as
instituições aumentam a probabilidade de verificação quando
providenciam incentivos para que novos atores fiscalizem as ações
dos agentes.
Os mecanismos institucionais de
accountable
supracitados produzem efeitos de contenção sobre os perigos e
perdas de agencia da delegação, muito embora não seja possível
estabelecer um modelo preditivo integralmente eficaz. Todavia, como
descreve o autor, a delegação poderá ou não ser eficiente sob
determinadas condições;
- quando o principal e o agente se colocam de acordo no que diz respeito ao resultado, e o agente é confiável e eficiente para trabalhar em busca do objetivo desejado, a delegação será bem sucedida e não haverá o agency loss;
- quando decresce a competência e a confiabilidade do agente ante o principal, aumentará a possibilidade de surgir o agency loss;
- quando um agente não for completamente confiável para o principal, ele poderá minimizar o agency loss se tiver informação completa a respeito da atuação do agente;
- se as informações do principal são precárias, sua habilidade para a redução do agency loss dependerá da habilidade para produzir outras fontes de informações;
- através dos mecanismos “ex-ante” o principal poderá conhecer as características e as motivações dos agentes e mediante os mecanismos “ex-post” os agentes poderão ser accountables e fiscalizados por outras instituições e agentes.
Conclusão
A delegação, os problemas da ação
coletiva, a agency loss
e seu “remédio” institucional, a accountabillity,
são temas cruciais para a teoria democrática e, por suposto,
revestidos fortemente de conteúdos normativos que se estendem para
além dos debates acadêmicos. A perspectiva madsonniana de governos
republicanos sujeitos à lei e responsivos perante seus
constituintes, torna a accountabillity
ou a sua ausência numa
agenda central tanto para a academia como para os atores políticos
contemporâneos.
As poliarquias mais recentes
resultantes da terceira onda da democratização entre os anos 70 e
80, na América Latina em particular, criaram as condições para a
inclusão da população no sistema político por meio da extensão
do voto popular (accountabillity
vertical), bem como abriram os regimes à competição pública. De
todo o modo se reconhece que a região apresenta importantes déficits
institucionais relativos aos componentes liberal e republicano das
poliarquias (O’DONNELL, 1999). Ainda se convive com situações em
que os direitos individuais carecem de maior proteção legal ante os
poderes constituídos, e as elites políticas e as agências
estatais, em muitos casos, não observam as virtudes públicas
requeridas para as altas funções de estado. Destarte, em especial o
componente republicano das poliarquias ensejam a construção de uma
poderosa rede de accountabillity
horizontal, estatal e social, que torne efetivo o “império da
lei”, e faça com que as instituições se afirmem como mecanismos
indispensáveis para a transparência das relações sociais e para a
democracia.
A literatura revisitada nesse artigo
assume que para enfrentar adequadamente “a tragédia dos comuns”
e seus resultados ineficientes para a coletividade, os problemas de
coordenação e a instabilidade das escolhas sociais é
imprescindível lançar mão da delegação e suas formas
institucionais. Mccubbins e Kiewiet lançam luz sobre dois aspectos
estruturantes, correlacionados e preliminares a accountabillity
que são a inevitabilidade da delegação nas sociedades complexas e
os problemas da ação e agregação das preferências coletivas. No
caso das democracias parlamentaristas Ström suscita uma importante
reflexão que diz respeito à falta de transparência dos executivos
em determinadas etapas da delegação. No caso sugere que a
influência e o poder do partido ou da coalizão majoritária pode
reforçar o fenômeno se a accountabillity
for fraca. Por fim, Arthur Lupia maneja habilmente a teoria do
principal e do agente e auxilia a compreender o papel estratégico
que as instituições cumprem para o controle, a fiscalização e a
diminuição das perdas de agência.
Bibiografia
COX, Gary W.;
MCCUBBINS, Mathews S. Legislative
Leviatan: party government in the House.
Standford: University of California Press, 1993.
DAHLL, Robert.
After
the Revolution?
New Haven: Yale University Press.1970
KIEWIET, Roderick;
MCCUBBINS, Mathews S. The
logic of delegation: congressional parties and the appropriantions
process.
Chicago: The University of Chicago Press, 1991.
KREHBIEL, Keith.
Information
and legislative organization.
Ann Arbor: The University of Chicago Press, 1990.
MAYHEW, David.
Congress:
the electoral connection.
New Haven: Yale University Press, 1974.
O’DONNEL, Guillermo, Accountabillity
Horizontal e Novas Poliarquias.
Lua Nova,
nº 44, 1999.
PRZEWORSKI, Adam;
STOKES, Susan C., MANIN, Bernard. Democracy, Accountabillity
and Representation.
Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
STRÖM, Kaare,
MÜLLER, Wolfgang C., BERGMAN, Torbjörn (eds). Delegation
and accountabillity in parliamentary democracies.
Oxford: Oxford University Press, 2006.
1“...To
a large extent, our thinking has been influenced by the basic texts
of business management (Drucker, 1973) as well as by the “new
economics of organization” and new accounting” (Moe 1984; Demski
and Kreps, 1982). KIEWIET e MCCUBBINS, 1991.
2O
“dilema dos prisioneiros” tem origem na teoria dos jogos, que se
tornou um ramo proeminente da matemática nos anos 30 do século
passado, e que na atualidade suas aplicações são utilizadas em
vários ramos do conhecimento. A idéia básica é a busca de
estratégias racionais em situações em que o resultado depende de
estratégias distintas escolhidas por outros atores.
3
“Romer and Rosenthal model an act of delegation as a game between
a principal and an agent……Put another way, Romer and Rosenthal
study an act of delegation after the principal has already chosen to
delegate.” ( LUPIA apud in STRÖM, MÜLLER e BERGMAN, 2006.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário