terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Estudos Legislativos na Ciência Política

 
No segundo semestre de 2007 apresentei o artigo que segue no Seminário de Estudos Legislativos junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS. 
Em boa medida os contornos principais do texto são atuais e úteis para o debate contemporâneo sobre o papel da representação política nos legislativos

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Delegação, Ação Coletiva e Accountability nos Estudos Legislativos

O lema neo-institucionalista nos anos oitenta do século passado - As instituições importam! – muito mais do que uma profissão de fé de cientistas políticos ocidentais, expressou uma síntese e um acordo entre suas principais correntes, o institucionalismo histórico e a escolha racional ou pública. A abordagem institucional pressupõe que as instituições importam tendo em vista os efeitos que produzem sobre o comportamento dos atores políticos e sobre as sociedades. Nos legislativos a análise institucional remarca o impacto dos outros poderes, das normas constitucionais, dos regimentos, dos partidos, das lideranças e demais organizações societais sobre o comportamento e a performance dos legisladores. No Brasil, a partir dos anos noventa, sob a influência do neo-institucionalismo, houve um incremento dos estudos sobre o Poder Legislativo , tendo como referência o debate teórico e a produção acadêmica norte-americana. Considerando a moldura da discussão dos politólogos sobre o congresso estadunidense e sobre o parlamento europeu, o neo-institucionalismo propõe construtos que procuram dar conta da agenda de pesquisa e de estudos sobre o legislativo.
A partir dos estudos legislativos sobre o congresso norte-americano e as democracias parlamentaristas européias, os modelos teóricos abrangentes que a literatura especializada evidencia são o distributivista, o informacional e o partidário. O viés distributivista valoriza os resultados no processo decisório e o desempenho legislativo dos representantes, a imagem e propaganda pessoal, a autoria (credit claiming) e a tomada de posição em relação às votações congressuais (MAYHEW, 1974). A perspectiva informacional enfatiza o papel das comissões como “mini” reprodução do plenário e como ambiente de especialização. A informação é sobrevalorizada e conta como principal insumo para a decisão (KREHBIEL, 1992). Já a partidária remarca o poder de agenda do partido por meio dos “speakers” e a influência das lideranças na designação dos assentos nas comissões congressuais. Na versão da “teoria do cartel procedimental”, o maior partido do congresso nada mais é do que uma coalizão que vai monopolizar o poder de agenda dos representantes (COX e MCCUBBINS,1993). No caso das democracias parlamentaristas, o papel do partido será ressaltado em todas as etapas da delegação, sobretudo, no que concerne ao preenchimento das funções governativas e dos cargos públicos. (STRÖM, MÜLLER e BERGMANN, 2006)
A vertente “distributivista”, dentre outros autores relevantes, é trabalhada por David Mayhew e Douglas Arnold, a “informacional” por Keith Kriehbel e a “partidária” por Roderick Kiewiet, Mathews Mccubbins e Gary Cox. Na moldura partidária cabe destacar também os trabalhos de autores europeus sobre a delegação e controle dos representantes nas democracias parlamentaristas, no caso, Kaare Ström, Torbjörn Bergman, Wolfgang Müller e Arthur Lupia.
A delegação de autoridade para representantes do povo deliberarem /governarem em seu nome e as formas de controle de parlamentares e governantes pelos seus constituintes, são temas clássicos revestidos de grande atualidade para velhas e jovens democracias. O objetivo desse breve artigo é focalizar a partir de autores representativos da vertente partidária dos estudos legislativos, dois temas centrais para a ciência política contemporânea; a delegação e a accountabillity. Para esse empreendimento percorreremos as rotas traçadas por Kiewiet e Mccubbins, que tematizaram a delegação no congresso norte-americano numa perspectiva distinta e contraposta à hipótese da abdicação da delegação. Considerando as experiências parlamentaristas na Europa, Arthur Lupia e Kaare Ström oferecem um abrangente panorama acerca dos perigos e desafios da delegação bem como da accountabillity, ou as formas de controle dos representantes.

A delegação e o agenciamento de problemas
Ao tematizarem a delegação dos constituintes para os representantes em seus estudos sobre o congresso norte-americano, Kiewiet e Mccubins partem de imediato para o estabelecimento de um contra-ponto com a teoria da hipótese da abdicação, tratando em seguida de argüir que é possível delegar a autoridade para outros e obter os resultados desejados. Entrementes, a hipótese da abdicação da delegação é definida por meio da manipulação da policy-making a partir da atuação do(s) partido(s) no congresso. Nesse caso a delegação resultaria numa abdicação, que em alguns episódios seria pequena, noutros precipitada e, em algumas situações quase completa. Em contraste com aquela literatura os autores assinalam que a delegação constitui um fato incontroverso nas modernas e complexas democracias de massa. Os partidos no congresso delegam a produção legislativa para os membros dos comitês e o congresso define na lei as tarefas específicas que serão delegadas ao executivo e às agencias de governo. A alternativa à hipótese da abdicação, portanto, sustenta que é possível, desejável e inevitável delegar a autoridade para outros e alcançar os resultados desejados:
“The alternative we pose to the abdication hypothesis is that it is possible to delegate authority to others and yet continue to achieve desired outcomes. Indeed, it is often the case that desired outcomes can be achieved only by delegating authority to others.” (KIEWIET e MCCUBBINS, 1991).
Segundo os autores são três as formas de delegação da autoridade para a produção de políticas no congresso norte-americano. Primeira, dos partidos para as comissões e sub-comissões congressuais. Desse modo estaria assegurado o princípio jeffersonniano da eficiência legislativa, em que as discussões gerais dar-se-iam no plenário (in the floor) e os detalhamentos nas comissões. A segunda, do congresso para o presidente, destacadamente o poder de veto presidencial. E a terceira, do congresso para as agências de governo e às burocracias. Como veremos adiante essa última é uma dimensão importante para a teoria do principal e do agente, considerando as ameaças à delegação decorrentes das perdas de agenciamento – agency loss. Todavia, para Kiewiet e Mccubins o que importa, em correspondência com as teorias organizacionais,1 é menos a autoridade delegada e mais os ganhos de eficiência que se podem obter com as formas assumidas pela delegação.
O agenciamento de problemas que se originam da ação coletiva é uma tarefa que a delegação de autoridade procura solucionar equilibradamente. A natureza complexa da relação contemporânea entre ação coletiva e delegação pode ser ilustrada levando-se em consideração a previsão orçamentária entre a primeira legislatura norte-americana de 1789, e as mais recentes. Enquanto que àquela lidava com uma receita de um milhão de dólares, as legislaturas hodiernas trabalham com orçamentos superiores a casa do trilhão de dólares.
Para os autores as teorias da escolha social descrevem três elementos problemáticos nas ações coletivas e que reforçam a importância da delegação e das instituições para a resolução coordenada e equilibrada das questões públicas. A primeira e mais familiar seria a do “dilema dos prisioneiros”2. Um bom e notório exemplo do famoso “dilema” consistem nas políticas públicas. As comunidades têm interesse em políticas públicas que beneficiem a todos. Mas há aqueles que mesmo sem contribuírem para as provisões acabam se beneficiando. Essa situação gera incentivos para surgirem os “caronas” – free ride – que são aqueles que subtrairão ou farão pouco esforço para suplementarem as rendas públicas. O ponto fulcral aqui é que indivíduos com incentivos para maximizarem seus interesses acabam por se oporem à coletividade. Caso típico em que uma escolha individual racional gera um resultado coletivo irracional.
Os problemas de coordenação constituem o segundo elemento problemático das ações coletivas. Enquanto que no “dilema dos prisioneiros” a estratégia dominante produz um ineficiente equilíbrio, nos problemas de coordenação os membros de uma determinada comunidade desconfiam ou se encontram diante de incertezas referentes às estratégias perseguidas pelos demais membros. Como decorrência os múltiplos sujeitos quase nunca concluem com êxito a coordenação de seus problemas, exacerbando-os toda vez que diferentes alternativas acabam por beneficiar apenas a alguns grupos ou poucos cidadãos. Um outro obstáculo para a ação coletiva é a instabilidade das escolhas sociais. A instabilidade diz respeito à ação de um ou mais membros de uma comunidade, que ao atuarem estrategicamente podem manipular um processo decisório para a obtenção de vantagens. Quando o poder de agenda é manipulado dessa forma o resultado, via de regra, é que um pequeno grupo vai obter vantagens às expensas da maioria. As conseqüências vão desde o colapso da ação coletiva até a fragmentação e ameaça de existência da própria comunidade.
No entanto os autores enfatizam que os problemas da ação coletiva na maior parte dos casos, são superados e realizados por organizações e instituições públicas. São as instituições/organizações que tornam possível a superação do “dilema dos prisioneiros” e que criam as condições para dar estabilidade às decisões com efeitos coletivos. As formas organizacionais para a ação coletiva são muitas: empresas, serviço civil, associações de bairro, sindicatos, assembléias representativas, agências do governo, etc. O que as organizações tem em comum é o fato de que, mesmo em suas mais proeminentes formas, a autorização para agir pressupõe a indispensável relação entre o principal e o(s) agente(s). A teoria sociológica define a organização como o locus de relacionamento entre principal(is) e agente(s). A delegação do principal para o agente é a chave para a divisão do trabalho e para o desenvolvimento da especialização. Exponenciais resultados são obtidos se as tarefas são delegadas para agentes talentosos, treinados e com perfil adequado. Os autores afirmam que:
Quando todos dizem e fazem é que as firmas lucram, a economia cresce e os governos governam !” (KIEWIET / MCCUBINS,1991).
Nessa relação (principal/agente), os agentes tratarão de maximizar os seus esforços na perspectiva da obtenção de retornos vantajosos a despeito das restrições ou dos incentivos oferecidos pelo principal. Já o principal procurará estruturar a relação com o agente tendo em vista o melhor resultado, justificando desse modo a autoridade delegada. Todavia é natural que surjam conflitos de interesse entre principal e agente. Como conseqüência desse conflito de interesses o principal se afastará do ponto ideal de suas preferências e verá diminuído o curso de sua ação ocasionado pela perda de agencia, agency loss. A seguir veremos como Kaare Ström e Arthur Lupia, tendo como pano de fundo as democracias parlamentaristas, abordam a delegação, o agency loss e os procedimentos de controle, accountability, tendo em vista a mitigação ou a redução em níveis toleráveis das perdas de agência.

Delegação e agency loss no parlamentarismo
A preciosa reflexão proposta por Kaare Ström sobre a democracia parlamentarista e a delegação, parte de alguns importantes pressupostos. Para o autor, as democracias buscam várias formas de tornarem os governantes/representantes responsáveis ante os cidadãos. O que torna o parlamentarismo e os demais regimes democráticos é, precisamente, a existência de mecanismos de seleção e controle, que conferem aos constituintes a condição de principais na relação com os seus representantes. Partindo de um tipo ideal o autor afirma que o parlamentarismo é um regime particular de delegação e controle com duas importantes propriedades: sua singularidade ou hierarquia e a delegação indireta. A singularidade implica que para um principal correspondem um ou poucos agentes subordinados, enquanto que a delegação indireta denota que poucos são os agentes eleitos diretamente. Tal configuração institucional acrescida da coesão partidária justifica um fenômeno típico do parlamentarismo, que é o controle da agenda exercido pelo executivo.
A delegação pode ser caracterizada como um dos traços distintivos dos governos modernos. Ström assume que nas sociedades democráticas a delegação se justifica tendo em vista o “bom governo”. Reportando-se a Dahll o autor descreve os três critérios basilares da delegação: o critério da escolha pessoal, o da competência e o da economia. Dahll explica o critério da escolha pessoal como um processo em que as decisões tomadas pelos representantes corresponderão às preferências majoritárias dos constituintes. O critério da competência deverá assegurar que o processo decisório seja informado por competências especiais e, ao mesmo tempo, superiores a procedimentos alternativos. Por último, o critério da economia supõe que a despeito da imperfeição da deliberação o processo esteja conforme aos dois critérios anteriores e, de forma equilibrada, produza mais satisfação ao economizar dos constituintes tempo, atenção e energia. (DAHLL, 1970)
Por seu turno, a delegação busca lidar com os problemas decorrentes da agregação das preferências coletivas. Considerando que os indivíduos num grupo agem racionalmente é impossível gerar um ordenamento de preferências que contemple a todos. Para ilustrar, Ström descreve o paradoxo de Condorcet em que três indivíduos se deparam diante de três alternativas; se aumentar o número de indivíduos indefinidamente o mesmo sucederá às alternativas. Os pontos comuns dos problemas derivados da ação coletiva decorrem, via-de-regra, dos incentivos individuais ou de grupo(s) para a produção de resultados invariavelmente ineficientes. Por conseguinte, a coordenação de problemas coletivos mediante a delegação constitui o mecanismo mais eficaz para que diante de uma variedade de opções se promovam as decisões que gerem equilíbrios eficientes.
Delegação é em geral e conseqüentemente um modo no qual os cidadãos procuram dar conta de toda a sorte de desafios impostos às sociedades. Às democracias representativas, conforme o autor, correspondem a um elo que vai dos eleitores até o governo. Nesse elo, os principais delegam a tomada de decisões aos agentes que atuam em seu nome e lugar. Todavia não é tão óbvio assim que as preferências dos constituintes/principais serão atendidas pelos representantes/agentes. Se um agente tem preferências e incentivos para agir de modo incompatível com o principal, a delegação degenera em problemas ou perdas de agenciamento, agency loss. O “mau comportamento” dos agentes pode ser identificado sob diferentes formas: diferenças políticas, lassidão, absenteísmo, corrupção e incentivos “não republicanos” de observância às leis.
As políticas de accountabillity portanto se referem aos mecanismos que podem conter o agency loss. Um agente é accountable se é impelido a agir de acordo com o principal e é punido ou recompensado por sua performance. Conforme Manin, Pwzeworski e Stokes:
...Governantes são “accontables” se os cidadãos podem distinguir os agentes e podem sancioná-los adeqüadamente. Um mecanismo de “accountable” é portanto um mapa das ações dos funcionários públicos que podem ser sancionados pelos cidadãos.” (MANIN, PWZEWORSKI E STOKES,1999).
Accountabillity pressupõe que o principal possui dois tipos de direitos sobre os agentes: o direito de demandar informações e o direito de impor sanções. As sanções podem ser empregadas ao se vetar e/ou desautorizar as decisões tomadas pelos agentes, bem como a imposição de penalidades específicas conforme o caso. Há os mecanismos “ex-ante” que o principal lança mão para conter o agency loss. Tais mecanismos são radicados no emprego e no incentivo à competição entre os agentes. Já os mecanismos “ex-post” enfatizam o controle e a contenção. O fundamental é que, conforme Ström, o principal dispõe de uma série de mecanismos para facilitar o accountable e, por extensão, o resultado da delegação.
Sob o parlamentarismo o mecanismo “ex-ante” que se lança mão para conter os problemas derivados da delegação é o partido do governo. O modelo “Westminster” de parlamentarismo pressupõe a centralização, a coesão e a orientação partidária. Ström argüi que a organização partidária alinha as preferências dos integrantes que ocupam postos chaves no governo, os subordinando e centralizando. Como decorrência, os partidos nas democracias parlamentaristas influenciam em todas as etapas da delegação. O controle exercido pelo partido opera de maneira a prospectar parlamentares com potencial para assumirem cargos no gabinete. Os parlamentares credenciados pelo partido serão, portanto, aqueles que assumirão os cargos. Com efeito, os partidos ao influírem na administração suscitam controvérsias no que diz respeito à competência, neutralidade e transparência do governo. Muller assinala que:
......o fato do papel dos partidos deteriorarem quanto mais se desenvolve a delegação reflete o aumento das informações assimétricas e a relevância das normas de contenção.” (STRÖM, MÜLLER e BERGMAN, 2006).
Para os partidos se tornarem eficientes no governo não basta unicamente realizar suas preferências, os legisladores devem considerar os demais objetivos como a reeleição, os recursos de poder e as políticas públicas. Para Ström as instituições do parlamentarismo reforçam e estendem o poder dos partidos muito mais do que no presidencialismo. Mas se os partidos adquirem relevância, por outro lado, eles têm incentivos para diminuir a fiscalização sobre o executivo. A possibilidade de alinhar preferências sobre todas as etapas da delegação por parte da coalizão ou do partido majoritário, retira significativamente os incentivos para a fiscalização de correligionários e aliados. Desse modo o autor conclui que a transparência pode ser comprometida em alguma etapa da delegação numa democracia parlamentar.

Accountabillity e o papel das instituições
Para Arthur Lupia a delegação é um conceito central nos estudos políticos e sua forma principal se consubstancia mediante as agências de governo. O autor problematiza a relação governante ou principal com os servidores civis, os agentes. Nesse viés argumentativo a delegação permite ao principal se beneficiar da perícia e da habilidade dos outros. Todavia a delegação implica em riscos e perigos. Os perigos residem no fato de que toda a delegação pressupõe mecanismos de transferência de poder. Sendo assim, ao se transferir poder para os agentes, podem ocorrer casos de exorbitância ou de abuso da delegação. No limite, a concretização dos perigos da delegação suscita à perda de controle dos governantes fazendo a delegação degenerar em anarquia.
É imprescindível a accountabillity para a delegação ser bem sucedida. No entanto, segundo Lupia, sua definição não é uma tarefa simples. Na literatura especializada por vezes a accountabillity é empregada para caracterizar a efetividade e a eficiência da administração e o desempenho particular de uma determinada agência de governo. Mas o problema é que o termo pode ser utilizado de diferentes modos. A accountabillity pode ser compreendida também como um processo de controle. Nesse caso os servidores civis ou numa linguagem sociológica, a burocracia, será controlada por um principal que controla sua ação. Para outros, a accountabillity se constitui num tipo de resultado. O que interessa aqui é se a burocracia atua em conformidade com o principal.
A definição adotada pelo autor é que accountabillity é uma forma de controle. Um agente é accountable se o principal pode de antemão conhecer ou reduzir a incerteza sobre o curso da ação de um determinado agente. Se o principal numa situação A pode exercer mais controle sobre o agente do que numa situação B, então a accountabillity é maior na situação A. Lupia demonstra como os processos de controle afetam os resultados. A agency loss , a perda de agencia, é o conceito que serve como métrica para a apuração do resultado da delegação. A perda de agencia é a diferença entre o resultado efetivo da delegação e o resultado pretendido caso a performance do agente fosse perfeita ou ideal. Por perfeição o autor entende o desempenho hipotético de um agente em plena conformidade com as preferências de um principal dotado de informações e de recursos ilimitados a serem empregados.
Posto que a agency loss descreve o resultado da delegação na perspectiva do principal, o autor afirma que se a agency loss é alta significa dizer que o resultado da delegação está distante do ponto ideal do principal. O sucesso da delegação portanto diz respeito ao aumento do bem-estar relativo do principal, caso tivesse a opção em não delegar. A delegação não é bem sucedida quando diminui o bem-estar relativo do principal.
Discorrendo sobre a delegação o autor remarca que as democracias parlamentaristas pressupõem uma série de delegações: dos eleitores para os parlamentares, dos parlamentares para o governo, do governo para as agências e das agências para os servidores civis. As propriedades da delegação favorecem algumas conclusões gerais. A mais óbvia é de que toda a delegação compreende um principal e um agente. Em seguida, pode-se afirmar que as delegações ensejam a possibilidade de conflitos de interesses. Os agentes não necessariamente possuem os mesmos objetivos políticos ou preferências pelos resultados almejado(s) pelo(s) principal(is). Outra conclusão inclui a possibilidade de um ambiente no qual as informações são limitadas e como a delegação pode ser afetada . Informações limitadas implicam que tanto o agente quanto o principal não são oniscientes. Quando um agente possui informações insuficientes o resultado é a ineficiência.
Para analisar e predizer quando a delegação pode ou não ser bem sucedida, Lupia vai se reportar a um modelo originário da economia desenvolvido por Romer e Rosenthal (1978)3. O modelo Romer-Rosenthal se propõe a revelar as causas fundamentais do agency loss, partindo de quatro situações dispostas espacialmente. Primeiramente, o modelo prediz que não haverá agency loss quando o principal e o agente possuírem idênticas preferências politicas. Nesse caso se assume que as proposições do agente serão aceitas pelo principal. A crítica que recai aqui é por conta do irrealismo da predição, pois se presume que o principal e o agente possuem informações completas, isto é, não há incertezas e imprevisibilidades nos resultados das ações de ambos. Nas duas situações seguintes o principal e o agente possuem diferentes pontos ideais. Todavia ambos se localizam no mesmo lado considerando o statuos quo (SQ). A predição nessas situações revela que tanto o principal quanto o agente concordam com a direção da mudança, mas não com a sua magnitude. O que há em comum é a existência de agency loss, em maior ou menor medida, dependendo da distância entre o ponto ideal do principal e do agente. E na situação em que o principal e o agente estão em lados opostos ao SQ, o preferível é que o agente não atue. Sendo assim o agency loss compreenderá a distância entre o principal e o status quo. Comparando as situações o autor afirma que se a política ideal do agente e do SQ se afastam do principal, o agency loss pode crescer. E o agency loss também é considerável porquanto as alternativas propostas pelo SQ não forem atrativas para o principal.
Outro ponto abordado se refere à existência de informações incompletas e assimétricas e suas conseqüências sobre a delegação. A informação é incompleta quando o principal ou o agente não é capaz de predizer a conseqüência de sua ação. Informação assimétrica ocorre quando o principal conhece e o agente desconhece a conseqüência de sua ação, ou vice-versa. Enfatizando as conseqüências das informações incompletas e assimétricas sobre o principal, o autor afirma que, no limite, quando a delegação ocorre nessas condições isso equivaleria a uma abdicação.
Nas situações em que o principal possui menos informações do que os agentes a delegação pode ser ameaçada pela moral hazard (atuação reprovável) e pela adverse selection (má escolha) . Lupia indica que a moral hazard causa problemas para a delegação na medida em que as ações empreendidas pelos agentes seriam desaprovadas ou desautorizadas pelo principal. A moral hazard consiste sobretudo nos casos de abuso ou exorbitância de autoridade. No caso da adverse selection os problemas surgem quando determinadas características do agente não foram detectadas pelo principal. A adverse selection pode ser observada notadamente nos processos eleitorais. Se dois tipos de candidatos concorrem a cargos públicos, um com espírito republicano, outro sem compromisso com a coisa pública, a adverse selection pode ocorrer caso os eleitores desconheçam as características e “vocações” dos candidatos. Conforme o autor:
A extensão do agency loss nas eleições vai depender da capacidade dos constituintes em separar os “dutifull” dos “knaves”!” (LUPIA apud STRÖM, MÜLLER e BERGMAN, 2006)
Moral hazard e adverse selection incentivam o principal a buscar informações sobre os agentes. Uma das vias pelas quais as informações podem ser geradas são as instituições. As instituições podem atuar de modo a produzirem incentivos para que os agentes tornem simétricas as informações e se motivem para agir em conformidade ou próximos das preferências do principal. Segundo o autor, o design institucional ou os mecanismos que podem incrementar o fluxo para o provisionamento de informações dos agentes para o principal, tendo em vista a contenção da degeneração da delegação em abdicação, são de duas ordens: os mecanismos “ex-ante” e os mecanismos “ex-post”. Os mecanismos “ex-ante” enfatizam a competição entre agentes como forma de selecionar os mais destacados para o cumprimento de determinadas ações. Outrossim, o principal pode lançar mão de regras ou de contratos por tempo determinado ou por tarefa. O ponto central aqui é o estabelecimento de interesses comuns entre o agente e o principal. Desse modo o principal concede incentivos ou algum tipo de ganho que compense os esforços dos agentes. Os mecanismos institucionais “ex post” se orientam para o controle e contenção sobre a atuação de agentes. Para obter informações sobre a performance dos agentes o principal pode utilizar o monitoramento direto, solicitar relatórios e incentivar outros agentes institucionais ao controle. O autor remarca que as instituições aumentam a probabilidade de verificação quando providenciam incentivos para que novos atores fiscalizem as ações dos agentes.
Os mecanismos institucionais de accountable supracitados produzem efeitos de contenção sobre os perigos e perdas de agencia da delegação, muito embora não seja possível estabelecer um modelo preditivo integralmente eficaz. Todavia, como descreve o autor, a delegação poderá ou não ser eficiente sob determinadas condições;
  • quando o principal e o agente se colocam de acordo no que diz respeito ao resultado, e o agente é confiável e eficiente para trabalhar em busca do objetivo desejado, a delegação será bem sucedida e não haverá o agency loss;
  • quando decresce a competência e a confiabilidade do agente ante o principal, aumentará a possibilidade de surgir o agency loss;
  • quando um agente não for completamente confiável para o principal, ele poderá minimizar o agency loss se tiver informação completa a respeito da atuação do agente;
  • se as informações do principal são precárias, sua habilidade para a redução do agency loss dependerá da habilidade para produzir outras fontes de informações;
  • através dos mecanismos “ex-ante” o principal poderá conhecer as características e as motivações dos agentes e mediante os mecanismos “ex-post” os agentes poderão ser accountables e fiscalizados por outras instituições e agentes.

Conclusão
A delegação, os problemas da ação coletiva, a agency loss e seu “remédio” institucional, a accountabillity, são temas cruciais para a teoria democrática e, por suposto, revestidos fortemente de conteúdos normativos que se estendem para além dos debates acadêmicos. A perspectiva madsonniana de governos republicanos sujeitos à lei e responsivos perante seus constituintes, torna a accountabillity ou a sua ausência numa agenda central tanto para a academia como para os atores políticos contemporâneos.
As poliarquias mais recentes resultantes da terceira onda da democratização entre os anos 70 e 80, na América Latina em particular, criaram as condições para a inclusão da população no sistema político por meio da extensão do voto popular (accountabillity vertical), bem como abriram os regimes à competição pública. De todo o modo se reconhece que a região apresenta importantes déficits institucionais relativos aos componentes liberal e republicano das poliarquias (O’DONNELL, 1999). Ainda se convive com situações em que os direitos individuais carecem de maior proteção legal ante os poderes constituídos, e as elites políticas e as agências estatais, em muitos casos, não observam as virtudes públicas requeridas para as altas funções de estado. Destarte, em especial o componente republicano das poliarquias ensejam a construção de uma poderosa rede de accountabillity horizontal, estatal e social, que torne efetivo o “império da lei”, e faça com que as instituições se afirmem como mecanismos indispensáveis para a transparência das relações sociais e para a democracia.
A literatura revisitada nesse artigo assume que para enfrentar adequadamente “a tragédia dos comuns” e seus resultados ineficientes para a coletividade, os problemas de coordenação e a instabilidade das escolhas sociais é imprescindível lançar mão da delegação e suas formas institucionais. Mccubbins e Kiewiet lançam luz sobre dois aspectos estruturantes, correlacionados e preliminares a accountabillity que são a inevitabilidade da delegação nas sociedades complexas e os problemas da ação e agregação das preferências coletivas. No caso das democracias parlamentaristas Ström suscita uma importante reflexão que diz respeito à falta de transparência dos executivos em determinadas etapas da delegação. No caso sugere que a influência e o poder do partido ou da coalizão majoritária pode reforçar o fenômeno se a accountabillity for fraca. Por fim, Arthur Lupia maneja habilmente a teoria do principal e do agente e auxilia a compreender o papel estratégico que as instituições cumprem para o controle, a fiscalização e a diminuição das perdas de agência.





















Bibiografia

COX, Gary W.; MCCUBBINS, Mathews S. Legislative Leviatan: party government in the House. Standford: University of California Press, 1993.

DAHLL, Robert. After the Revolution? New Haven: Yale University Press.1970

KIEWIET, Roderick; MCCUBBINS, Mathews S. The logic of delegation: congressional parties and the appropriantions process. Chicago: The University of Chicago Press, 1991.

KREHBIEL, Keith. Information and legislative organization. Ann Arbor: The University of Chicago Press, 1990.

MAYHEW, David. Congress: the electoral connection. New Haven: Yale University Press, 1974.

O’DONNEL, Guillermo, Accountabillity Horizontal e Novas Poliarquias. Lua Nova, nº 44, 1999.

PRZEWORSKI, Adam; STOKES, Susan C., MANIN, Bernard. Democracy, Accountabillity and Representation. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

STRÖM, Kaare, MÜLLER, Wolfgang C., BERGMAN, Torbjörn (eds). Delegation and accountabillity in parliamentary democracies. Oxford: Oxford University Press, 2006.

1“...To a large extent, our thinking has been influenced by the basic texts of business management (Drucker, 1973) as well as by the “new economics of organization” and new accounting” (Moe 1984; Demski and Kreps, 1982). KIEWIET e MCCUBBINS, 1991.
2O “dilema dos prisioneiros” tem origem na teoria dos jogos, que se tornou um ramo proeminente da matemática nos anos 30 do século passado, e que na atualidade suas aplicações são utilizadas em vários ramos do conhecimento. A idéia básica é a busca de estratégias racionais em situações em que o resultado depende de estratégias distintas escolhidas por outros atores.

3 “Romer and Rosenthal model an act of delegation as a game between a principal and an agent……Put another way, Romer and Rosenthal study an act of delegation after the principal has already chosen to delegate.” ( LUPIA apud in STRÖM, MÜLLER e BERGMAN, 2006.)

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