quarta-feira, 23 de junho de 2021

As Origens da Covid-19: Evolução Natural (Ecológica), ou, Potencial Arma Biológica (Geopolítica)?

  

No final do mês passado o presidente dos EUA, Joe Biden, ordenou que as agências de inteligência governamentais investigassem[1] e produzissem um relatório circunstanciado sobre as origens do vírus SARS-CoV-2, que como sabemos ao infectar seres humanos produz a doença Covid-19, responsável pela atual pandemia. Conforme Biden, o relatório deverá elucidar se o vírus se originou do contato entre humanos e animais hospedeiros, ou, se foi produzido artificialmente num laboratório chinês (Instituto de Virologia de Wuhan)  onde acidentalmente - ou, não - ocorreu uma fuga produzindo um surto viral na importante cidade de Wuhan, na província de Hubei,  para logo em seguida se tornar numa temível pandemia.



 

À esquerdda, Instituto de Virologia de Wuhan/China; à direita, Laboratório Bioquímico Fort Detrick, Virginia/EUA 

FONTE DAS IMAGENS: SITES ANSA BRASIL E REVISTA INTERTELAS 




As Origens da Covid-19: Evolução Natural (Ecológica), ou, Potencial Arma Biológica (Geopolítica)?


Ao longo do ano passado a hipótese da produção artificial do vírus foi rechaçada pela OMS (Organização Mundial de Saúde/ONU), por autoridades sanitárias ocidentais e mesmo  chinesas. À rigor a mídia ocidental remarcou ad nauseam que a transmissão do vírus se deu por meio de animais hospedeiros comercializados em mercados asiáticos e , principalmente, chineses. Portanto, mutações naturais do vírus promoveram os contágios, as infecções, os surtos, os óbitos e a nova pandemia. A hipótese da produção artificial do vírus foi descartada e considerada “teoria da conspiração”, inclusive penalizada com suspensão e banimento de redes sociais como o Facebook. Contudo, é certo que a administração Trump, criminosamente, implicava os chineses à responsabilidade pela pandemia. Em nada interessava aos trumpistas elucidar e rastrear as origens da Covid-19. A única perspectiva de interesse era em construir uma narrativa que culpasse a China pela pandemia, para fins de promoção da guerra comercial contra o gigante asiático. Todos recordam da expressão “Vírus de Wuhan”, assim designado pelo então Secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, um agente da CIA e um fanático beligerante a serviço da demonização  da China por questões geopolíticas. 

Pois bem, ocorreu que no mês de maio nos editoriais dos jornais norte-americanos The New York Times, Washington Post e Wall Street Journal[2] foi endossada a “credibilidade” da hipótese da “fuga de laboratório” do vírus. Os editoriais se referiram a um extenso artigo publicado pelo jornalista Nicolas Wade[3], em que apoiado em estudos de virologia se assume que embora a hipótese da evolução natural do vírus permaneça plausível, por outro lado, não pode ser descartada a hipótese de “acidente” de laboratório, e que, portanto, o vírus tenha sido desenvolvido artificialmente.  Ademais, no mesmo artigo, Wade revela a parceria de pesquisadores do laboratório de virologia EcoHealth Alliance, de Nova York, com suas contrapartes do Instituto de Virologia de Wuhan[4]. O jornalista afirma que laboratórios de virologia como a EcoHealth teriam a “expertise“ de  rotineiramente realizar experiências “controladas” para produzir vírus com ganhos de função, isto é, não existentes na natureza e muito mais letais a seres humanos. Tais experimentos teriam como fito a prevenção de doenças transmissíveis e de enfermidades graves. 

O fato é que os “gerenciadores de percepção” (mídia-empresa) do ocidente omitiram do grande público a hipótese da “fuga de laboratório”, ou, pior, subscreveram a pirotecnia da administração Trump em apontar o dedo acusatório contra os chineses. Já sob Biden, o que parece claro é que seu governo persegue o mesmo objetivo geopolítico em procurar justificativas para responsabilizar a China pela catástrofe sanitária. Ao que parece a administração democrata está menos preocupada em ir a fundo nas investigações sobre a origem do vírus, do que em responsabilizar as autoridades chinesas por outros meios. Pois se admitirmos que o Instituto de Virologia de Wuhan fazia experiências arriscadas com “ganhos de função” para vírus letais, também é correto afirmar que tais experiências contavam com a parceria de laboratórios norte-americanos e canadenses. E dadas as condições de segurança do laboratório de Wuhan, atestadas pela própria OMS, restaria a questão sobre de quem seria a responsabilidade por acionar os mecanismos de dispersão do vírus na hipótese da “fuga de laboratório” de uma potencial arma biológica de destruição de vidas e da economia. 

Como sabemos “guerras biológicas” não constituem uma novidade na história de horrores do (s) imperialismo (s) do século passado, embora contrarie toda e qualquer convenção conhecida sobre seu emprego entre países litigantes. Isto pelo menos desde a Convenção de Haia de 1907 e, mais adiante, reafirmada pelo Protocolo de Genebra de 1925, que proibiu o emprego na guerra de meios químicos e bacteriológicos. Contudo houve denúncias do emprego de armas biológicas na Guerra da Coréia (1950 – 1953), por parte da força aérea norte-americana contra a população civil da Coréia do Norte. A repetição macabra do uso de armas biológicas contra a população civil asiática também foi alvo de denúncias mais adiante na Guerra do Vietnã (1959 – 1975). Para quem tiver interesse sobre o tema do emprego de armas biológicas na guerra, na grade de séries da Netflix há um interessante documentário (“Wormwood” de 2017) sobre o cientista Frank Olson, bacteriologista e pesquisador sobre o desenvolvimento de armas biológicas dos serviços secretos norte-americanos. Olson atuou no laboratório de Fort Detrick, em Maryland, em pesquisas coordenadas pela CIA e faleceu sob circunstâncias suspeitas em 1953.

A rigor é sabido que o Fort Detrick durante a Segunda Guerra Mundial tornou-se um local de pesquisas de guerra biológica e que suas atividades ganharam impulso por ocasião da Guerra Fria contra a URSS (1949 – 1991). As atividades do Fort Detrick foram encerradas ou suspensas em meados de 2019. Os motivos do encerramento das atividades permanecem envoltos em densa névoa. Os laboratórios biológicos (BioLabs) supostamente mantidos no exterior pelo Departamento de Defesa dos EUA, já foram alvos de denúncias de autoridades chinesas e russas. Na Ucrânia foram denunciadas a existência de BioLabs em Odessa, Vinnytsia, Uzhgorod, Lvov, Kiev, em localidades próximas a Criméia e Lugansk.

A propósito, em 26/05/2021, o editorial do jornal on-line chinês, o Global Times, intitulado, “É Hora de Investigar o Biolaboratório de Fort Detrick Apesar da Propaganda dos EUA”[5], desafia as autoridades sanitárias ocidentais - caso admitam a teoria da “fuga de laboratório” do vírus - a investigarem prioritariamente o BioLab de Fort Detrick, que segundo o editorial, desde 2019 tem evidenciado “sinais dignos de atenção”. Além disso, o mesmo editorial refere que  a um números significativo de BioLabs na Ásia e que também deveriam ser investigados.

Por seu turno, no mês de fevereiro uma missão de cientistas da OMS em parceria com especialistas chineses investigaram por quatro semanas as condições do laboratório de virologia de Wuhan[6]. Um dos porta-vozes da missão admitiu que embora não conclusiva, a hipótese menos provável foi a “fuga de laboratório”, ou, de acidente que culminasse com o escape do vírus. A transmissão do vírus a seres humanos teria a maior probabilidade de ser encontrada a partir de animais hospedeiros, e que o vírus poderia ter circulado em outros lugares antes de Wuhan, segundo a missão da OMS. 

Entrementes, a hipótese da “fuga de laboratório” do vírus trazida à baila pelo presidente Biden dá margem a muita especulação. Parece que o governo norte-americano já ensaia uma versão responsabilizando os chineses, por conta da disputa geopolítica em curso. Conta mais a narrativa do que a veracidade dos fatos, o que não surpreende os espíritos críticos nessa época de “fake News”, correto? Contudo, se o mote da hipótese da “fuga de laboratório” for instrumentalizada pelos imperialistas da América do Norte como uma peça de acusação à liderança inconteste da China no século XXI, algumas questões provavelmente deverão se impor inelutavelmente. Como, por exemplo; como se sabe Wuhan é uma metrópole enorme com 11 milhões de pessoas e o Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, que foi considerado o epicentro mais antigo do surto de Covid-19, dista a mais ou menos 20 milhas do Instituto de Virologia de Wuhan. Que mecanismos de dispersão do vírus foram empregados para ele reaparecer num mercado tão distante? Quem foram os 300 militares norte-americanos que estiveram em Wuhan, em outubro de 2019, por ocasião dos jogos militares naquela cidade? Quem são os pesquisadores norte-americanos e canadenses que estiveram cooperando com pesquisas virológicas no Instituto de Wuhan? Houve algum relatório distribuído a OTAN e a setores do governo israelense informando a respeito de um potente surto de doença viral que estaria ocorrendo em Wuhan entre o final do mês de outubro e o início do mês de novembro de 2019? Muitas são as questões que poderiam ser mobilizadas para ampliar o escopo da investigação da hipótese da “fuga de laboratório”. Como a enorme coincidência da verificação importante de um surto da doença sobre autoridades do governo iraniano em janeiro de 2020. É difícil compreender como concomitantemente havia um epicentro em Wuhan e outro em Teerã.

Por fim é importante remarcar que sob hipótese alguma pode se admitir o emprego de armas biológicas com finalidades bélicas, ou, dissuatórias, independente de qual País as empregarem, e seja qual for a alegação. Posto que há tratados internacionais antigos sobre a matéria, e o mais recente de 1972[7], é mais explícito ainda, na medida que proíbe a pesquisa, a produção e o armazenamento de armas biológicas no mundo inteiro. Tenho certeza que essa seria a posição da diplomacia brasileira quando o País era uma democracia, isto é,  antes do golpe de 2016 e antes da excrescência bolsonarista. 


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4 comentários:

  1. Muito bom, muito esclarecedor. Joga luzes sobre um tema tratado pela grande mídia, de modo geral, com certo "desleixo", digamos assim. Nesta campo das disputas hegemônicas globais, um "vale-tudo", não há bonzinhos. A diferença é que a versão ocidental/norte-americana ganha sempre mais espaço e cumplicidade, refletindo em maior credibilidade.

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    1. Gracias Jose Antônio. Tens razão. A grande mídia do ocidente e seus principais veículos mais desinformam que informam a cidadania. Creio que o maior símbolo do jornalismo independente é Julian Assange. Injustamente encarceirado por denunciar crimes de guerra. Abs

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    2. Gracias Jose Antônio. Tens razão. A grande mídia do ocidente e seus principais veículos mais desinformam que informam a cidadania. Creio que o maior símbolo do jornalismo independente é Julian Assange. Injustamente encarceirado por denunciar crimes de guerra. Abs

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    3. Gracias Jose Antônio. Tens razão. A grande mídia do ocidente e seus principais veículos mais desinformam que informam a cidadania. Creio que o maior símbolo do jornalismo independente é Julian Assange. Injustamente encarceirado por denunciar crimes de guerra. Abs

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