sábado, 15 de maio de 2021

“Por que o sistema chinês pode oferecer mais opções do que a democracia ocidental”

 

Nenhum País cresceu tanto economicamente como a China nas últimas quatro décadas (média anual de 10% do PIB). À par disso aproximadamente 800 milhões de pessoas foram emancipadas da pobreza no período. Portanto, esse extraordinário caso de sucesso econômico e social  precisa ser estudado sobretudo pelos países em desenvolvimento, a fim de se identificarem quais foram as escolhas e as políticas governamentais que lograram resultados tão estupendos. 


Vis à vis ao desenvolvimento econômico também suscita um importante debate a governança chinesa. Infelizmente essa discussão é completamente distorcida na grande imprensa ocidental - inclusive em certos meios acadêmicos - ao reduzirem o tema à dicotomia: democracia ocidental versus autoritarismo oriental. Mas para os que insistem em fazer da chave dicotômica (democracia x ditadura) o seu cavalo de batalha para atacar ideologicamente o governo chinês, cumpre remarcar que quando o tema é debatido com rigor e honestidade intelectual, a suposta “superioridade” do governo “democrático” ocidental se afigura  mais como quimera do que realidade factual.  O relativamente não extenso artigo do prof. Martin Jacques, um dos maiores especialistas do Ocidente em estudos sobre a China, dá um tratamento deveras aprofundado acerca do tema e serve de estímulo e incentivo para a compreensão do socialismo com características chinesas.  






“Por que o sistema chinês pode oferecer mais opções do que a democracia ocidental” 


| por Martin Jacques



“Em nenhum lugar a diferença entre a China e o Ocidente é mais evidente do que em seus sistemas de governança. Desde 1945, a forma típica de governo ocidental tem sido o sufrágio universal e um sistema multipartidário. Este tem sido o principal cartão de visita do Ocidente há mais de 70 anos. Ele acredita que todos os países - certamente incluindo a China - devem adotar o sistema ocidental. Não há nada de surpreendente nisso. Por dois séculos, o Ocidente acreditou em seu próprio universalismo, isto é, que seu sistema de governo é o modelo para todos os outros. Afirma, com fervor religioso, que a democracia ocidental é a forma mais elevada de governo e que não comporta mudanças substanciais.

Um pouco de contexto histórico é necessário neste ponto. Entre 1918 e 1939, devemos lembrar que a democracia existia apenas em uma pequena minoria de nações ocidentais, principalmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. Contemporaneamente deve haver sérias dúvidas sobre as perspectivas da democracia ocidental. Mesmo nos Estados Unidos, considerados no Ocidente como o lar da democracia, seu futuro está longe de ser garantido. A “insurreição” de 6 de janeiro do corrente ano que culminou com a invasão do Capitólio (sede do poder legislativo nos EUA), em Washington,  por supostos apoiadores do ex-presidente Trump, denotou uma ameaça à democracia norte-americana não só em termos simbólicos . O compromisso do ex-presidente Trump com a democracia amiúde sempre gerou sérias dúvidas. O exemplo dos Estados Unidos é o mais severo, mas em vários países, incluindo França e Itália, a democracia está sob forte pressão. A razão é que a democracia ocidental não vive em um vácuo: sua resistência relativa desde 1945 foi um produto de condições históricas específicas, principalmente por conta do crescimento econômico, do aumento dos padrões de vida e da mobilidade social. Desde 1980 e, especialmente a partir de 2008 em diante, todas essas conquistas sociais declinaram e se encontram numa crise sem precedentes. Em uma era de declínio ocidental palpável, a democracia ocidental enfrenta um futuro conturbado e incerto.

A crença de que a democracia ocidental é universalmente aplicável é ainda  mais absurda quando se trata da China. A governança e a política chinesas são as mais antigas e bem-sucedidas que o mundo já viu. O “insuspeito” Francis Fukuyama argumenta que a governança chinesa exibiu maior continuidade ao longo de dois milênios do que qualquer entidade estatal conhecida no Ocidente. A história e a cultura da China são profundamente diferentes das do Ocidente, e seu sistema de governo foi e continua sendo a expressão mais importante dessa diferença.

A eficácia do sistema de governo da China tem sido abundantemente clara desde 1949 e, especialmente, 1978. Uma combinação de clarividência e pragmatismo foi responsável pela transformação econômica mais notável da história humana. A China está cada vez mais no mesmo nível dos Estados Unidos, na medida em que agora é considerada por estes últimos como uma ameaça à sua ascensão global. O sistema de governo da China, há muito ridicularizado no Ocidente, emergiu como um desafiante formidável para o sistema democrático liberal dos Estados Unidos. Nos últimos 40 anos, não há dúvida de quem tem sido mais eficaz e o que tem mais resultados para seu povo.

Uma crítica fundamental do Ocidente ao sistema de governo da China é que, como sistema de partido único, ele não oferece escolha; que só um sistema multipartidário, com alternância de partidos no poder, garante isso. Mas as evidências sugerem o contrário. A transição de Mao Tzetung para Deng Xiaoping viu uma grande mudança na política e na filosofia com a adoção da economia de mercado ao lado do estado e do planejamento, e a rejeição do relativo isolamento em favor da integração da China com o mundo (recordemos que em 2000, a China foi admitida na Organização Mundial do Comércio). A mudança foi mais profunda e de longo alcance do que qualquer outra empreendida por uma democracia ocidental desde 1945; e o Partido Comunista Chinês era o único responsável por isso. Em outras palavras, um sistema de partido único, certamente em sua forma chinesa, é capaz de oferecer mais opções - incluindo opções de longo alcance - do que qualquer democracia ocidental nas últimas quatro décadas!

Finalmente, o verdadeiro teste dos sistemas de governo não é seu desempenho durante um breve período como nos últimos 70 anos, mas sim em um período histórico muito mais longo. Este último revela uma característica extraordinária da governança chinesa. Nos últimos dois milênios, a China desfrutou de cinco períodos distintos em que desfrutou de uma posição de preeminência - ou preeminência compartilhada - no mundo: parte das dinastias Tang (618 – 907), Song (960 – 1279), possivelmente a Yuan (1271 – 1368), a Ming (1368 – 1644) inicial e o início da dinastia Qing (1644 – 1911). Ou seja, a China demonstrou, ao longo de um período histórico muito longo, uma capacidade extraordinária de se reinventar. Cinco vezes, para ser exato. Outras civilizações podem ter feito isso uma, duas no máximo, mas nenhuma o fez cinco vezes. É improvável ao extremo que o Reino Unido consiga isso, nem eu apostaria na capacidade de reinvenção dos EUA. Ainda, a China, sob a liderança do Partido Comunista Chinês, está agora às vésperas de se tornar o país preeminente do mundo pela sexta vez. A história demonstra que a China tem uma capacidade notável de se reinventar de uma maneira que nenhum outro país ou civilização conseguiu fazer; um testemunho da força, resiliência e dinamismo da civilização chinesa e sua capacidade de governar.”  


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O Prof. Martin Jacques era até recentemente um membro sênior do Departamento de Política e Estudos Internacionais da Universidade de Cambridge. Ele é professor visitante no Instituto de Relações Internacionais Modernas da Universidade Tsinghua e membro sênior do Instituto da China, Universidade de Fudan. Siga-o no twitter @martjacques. Opinion@globaltimes.com.cn

2 comentários:

  1. Ilton, "conheci" o Prof. Martin Jacques a poucos dias, mencionado pelo correspondente internacional Pepe Escobar, um dos melhores analistas de geopolítica que temos. Ele referiu Martin como "o melhor analista ocidental" da China, na modernidade...

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    1. Caro Sady, obrigado pelo comentário e perdoa o lapso de tempo. De fato o Pepe Escobar referiu o prof Jacques como uma das maiores autoridades ocidentais no campo acadêmico relacionados aos estudos sobre China. No Brasil também temos bons estudos sobre o gigante asiático, chamo a atenção para as elaborações do prof Elias Jabour, da UERJ, sobre o tema. Ele tem se dedicado a compreender a importância e o papel dirigente da China no século XXI, abs, Ilton

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