quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Analista de Geopolítica Fala Sobre Guerra Híbrida na América Latina


FONTE: 
https://www.tiempoar.com.ar/nota/andrew-korybko-estados-unidos-intenta-contener-a-china-y-rusia-con-la-guerra-hibrida


Em entrevista recente ao Diário Digital “Tiempo Argentino”, o analista de relações internacionais e especialista em geopolítica intervencionista dos EUA, o norte-americano Andrew Korybko, discorre sobre sua obra lançada em espanhol, “Guerras Híbridas, Revoluciones de colores y guerra no convencional”. 

Sobre a América Latina, Korybko sustenta que a “contribuição original” da região para o “arsenal” da Guerra Híbrida, foi o lawfare, isto é, o uso de partes do poder judiciário para a criminalização de governos independentes e de esquerda com o objetivo de estimular distúrbios e desestabilizações (casos de Zelaya/Honduras, Lugo/Paraguay e Dilma/Brasil), e a perseguição jurídica contra lideranças independentes e populares, como o caso mais notório que resultou na prisão do ex-presidente Lula. 

Boa leitura. 





Analista de Geopolítica Fala Sobre Guerra Híbrida na América Latina 



| por Santiago Mayor  

Diário Digital “Tiempo Argentino”
02/02/2020


O analista político norte-americano radicado em Moscou, Andrew Korybko, faz parte do conselho de especialistas do Instituto de Estudos Estratégicos e de Predições da Universidade Russa da Amizade dos Povos. Korybko é especialista em estratégia geopolítica dos EUA e suas novas formas de intervenção em nível global. Seu livro (em espanhol), Guerra Híbridas Revoluciones de colores y guerra no convencional (pela editora Batalla de Ideas, 2019), reflete a situação da Eurásia e analisa a América Latina, onde o emprego do lawfare, guerra jurídica, emergiu como uma nova forma de ingerência nos assuntos internos.

Santiago Mayor (S.M.): Em seu livro fazes uma revisão das distintas teorias geopolíticas norte-americanas para explicar o projeto atual de ingerência por meio da balcanização da Eurásia (região que compreende a Rússia, parte da Europa, Ásia Central, Oriente Médio e China) e do caos periférico (América Latina/sul Global).

Andrew Korybko: Os EUA têm como objetivo manter sua hegemonia sobre a Eurásia, para a qual está empregando a estratégia de “dividir para vencer” por meio da exploração externa de conflitos identitários. Os estados euroasiáticos são muito diversos, posto que se torna relativamente fácil a intromissão nos assuntos internos através da guerra de informação, das ONG’s e outras atividades mais “tradicionais” de inteligência. Ao provocar o caos mediante revoluções coloridas e guerras civis se desestabiliza o estado-alvo, obrigando-o a fazer concessões políticas que resultem em benefício aos EUA. Numa perspectiva mais ampla, o emprego desta política em vários estados produz um caos em cadeia na periferia euroasiática que é canalizado para fins de contenção da influência russa e chinesa. Porém, as vezes se perde o controle como na Síria, onde esse esquema fracassou ao criar as condições para a intervenção antiterrorista da Rússia, que mudou o jogo e levou Moscou a desafiar a influência de Washington no Oriente Médio.

S.M.: Segundo sua investigação, há duas etapas distintas e relacionadas no emprego da Guerra Híbrida, a revolução colorida e a guerra não-convencional.

A. Korybko: As revoluções coloridas se aproveitam dos conflitos de identidade pré-existentes (políticos, étnicos, religiosos, regionais ou socioeconômicos) para levar uma massa crítica de manifestantes às ruas e provocar violentos conflitos com as forças de segurança. Esses enfrentamentos são recontextualizados através da guerra de informação (em parte promovida pela mídia-empresa), que amplificam e estimulam mais distúrbios colocando o governo-alvo sobre os holofotes e a pressão internacional. No caso dos governos que veem reduzida sua capacidade em lidar com as manifestações, sua permanência no poder conduz a um cenário de violência crescente. Tal conjuntura conta com o apoio político, militar e logístico dos EUA e aliados regionais.

S.M.: A Guerra Híbrida tem como aspecto central o não envolvimento direto dos EUA nos conflitos. Como entra em jogo o conceito de “liderança velada”?

A. Korybko: O dito “poder brando” dos EUA cumpre o papel de respaldar os manifestantes e insinua que outras formas de “apoio” podem suceder no caso de aumentarem as tensões. Washington conduz uma guerra de informação contra o governo-alvo com o objetivo de deslegitimá-lo, retratando as autoridades governamentais como partes de uma “ditadura” que está “atacando civis inocentes. ”  Portanto, se trata do começo de uma campanha de pressão que pode transformar a revolução colorida em uma guerra não-convencional. Para os EUA é menos custoso e mais efetivo fazer avançar seus interesses através de seus representantes e aliados. A guerra contra a Venezuela é um exemplo.

S.M.: Qual o papel que as redes sociais cumprem na Guerra Híbrida?

A. Korybko: São indispensáveis para catalisar o processo da Guerra Híbrida, posto que estão se convertendo no principal locus onde as pessoas recebem informações e organizam atividades. Os governos têm dificuldades em controlar     as redes sociais, a menos que se atrevam a proibi-la, o que levaria a um grande e substancial desgaste junto à população. No entanto é através das redes sociais que agentes externos e seus representantes no país se infiltram nos movimentos de protesto. Por outro lado, não se deve interpretar que todas as manifestações são ilegítimas e que as redes sociais não cumprem um papel relevante nas manifestações por demandas reais e bem-intencionadas. Porém as redes sociais são “espadas com duplo fio” e que podem ser utilizadas por interesses estrangeiros.

S.M.: A Guerra Híbrida é um fenômeno recente e em desenvolvimento. Quais os mecanismos para enfrentá-la?

A. Korybko: Cada Guerra Híbrida é única devido aos poderes específicos que mobilizam, porém compartilham do mesmo objetivo externo em provocar violentas manifestações antigovernamentais. Uma das medidas mais efetivas que um governo independente deve ou deveria tomar, consiste na disputa proativa por uma narrativa própria. Em alguns países há uma tendência em seguir o exemplo do governo da Rússia, que proibiu o funcionamento de algumas ONG’s, que ameaçam a segurança nacional. Outra medida do governo russo foi a exigência de declaração por parte das ONG’s dos recursos externos que financiam suas atividades. Outrossim, a resposta das forças públicas de segurança é muito importante: o uso aparentemente desproporcional da força pode ser descontextualizado e reformulado como “agressão sem justificativa”, o que por sua vez desembocaria em mais distúrbios.

S.M.: É possível encontrar rastros da Guerra Híbrida na América latina?

A. Korybko: Sim, ainda que o fator de identidade que se explora possa ser político e socioeconômico. A característica comum da Guerra Híbrida é que as forças externas provocam a crise através da guerra de informação (mídia), das ONG’s e outros métodos mais “tradicionais” associados com as agências de inteligência. Se aproveitam dos problemas políticos preexistentes para gerar um movimento de protesto direcionado e que atendam seus interesses para fins de mudança de regime.

S.M.: Na América Latina surgiu o conceito de “lawfare”, guerra jurídica. Isso teria alguma conexão com a etapa da revolução colorida?

A. Korybko: Sim, o lawfare é um componente da Guerra Híbrida que está se aperfeiçoando na América Latina. Porém também se aplicou em outros países como a agora denominada “República da Macedônia do Norte” (outrora, Macedônia): após vários anos de Guerra Híbrida as autoridades impostas pelos interesses externos mudaram inconstitucionalmente o nome do país em 2019. Entretanto, o que o lawfare geralmente objetiva no caso latino-americano é a perseguição às lideranças políticas populares e deslegitima-las para servir de pretexto (evento desencadeante) para a organização de protestos. É um processo indireto: raras vezes se percebe a intervenção externa e tudo ocorre superficialmente de acordo com as leis do país. A razão pela qual o lawfare faz parte da Guerra Híbrida é precisamente pela ingerência externa mais ou menos velada. Informações aparentemente incriminatórias vinculadas com a corrupção são utilizadas por meio do “processo legal” para pressionar autoridades supostamente envolvidas. A decisão judicial resultante desse processo nada mais faz do que promover os interesses políticos e econômicos do Estado estrangeiro.  


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