segunda-feira, 11 de novembro de 2019

“O Golpe Militar Contra Morales Não Encerra a Guerra Híbrida Contra a Bolívia”

 por Andrew Korybko 
| fonte: oneworld.press 


O Presidente Morales renunciou após "pedido" do alto comando militar no último domingo e depois que a OEA, apoiada pelos EUA, alegou – sem provar - ter descoberto evidências de fraude nas eleições de 20/10/2019. Mas o golpe militar não terminará a Guerra Híbrida na Bolívia. Mesmo no improvável "melhor cenário" de encerrar o ciclo de violência naquele País, as conseqüências estruturais e institucionais dessa campanha em andamento levarão inevitavelmente a uma reversão dos direitos socioeconômicos concedidos aos indígenas majoritários e a população trabalhadora.  Portanto, o risco é fazer retroceder milhões de bolivianos à condição anterior ao governo de Morales, isto é, a condição de “escravos” do sistema neoliberal-globalista. 




Cumpre reafirmar que a resistência do povo trabalhador boliviano e de sua maioria étnica indígena deve contar com toda a forma de solidariedade dos trabalhadores de todo o mundo. 

Vale à pena ler a análise e as predições de Andrew Korybko, que é um dos melhores analistas de relações internacionais da contemporaneidade.

Boa leitura





“O começo do fim?


A Guerra Híbrida na Bolívia , até agora, conseguiu remover Evo Morales da condição de presidente democraticamente reeleito e chefe de Estado legítimo. Depois que Morales renunciou sob coação a "pedido" dos militares é forçoso afirmar que o golpe só foi possível por que a inteligência dos EUA cooptou as forças armadas e, portanto, garantiu que a renúncia fosse um fato consumado, mesmo antes de anunciada oficialmente. Na aparência, pode parecer que a Guerra Híbrida terminou depois de ter alcançado sua vitória na realização da mudança de regime neste País rico em lítio e geoestrategicamente localizado no centro da América do Sul. Mas o fato é que essa campanha está longe de terminar e por vários motivos muito importantes.

A guerra civil já começou


É óbvio que pode haver algum grau incerto de resistência física dos ("ex") apoiadores - principalmente da maioria indígena - do presidente Morales, seja na forma de protestos de rua ou possivelmente através de insurgência crescente, que possa representar o início tangível de um movimento de libertação nacional para livrar o país do jugo militar-oligárquico apoiado pelos EUA. Os militares buscaram, preventivamente, se antecipar a esse cenário antes do golpe consumado com a renúncia de Evo. Deram início ao que a Agência Reuters relatou de "operações aéreas e terrestres para 'neutralizar' grupos armados que agem fora das leis". Esse fato sugere que no contexto político da Bolívia tal ação não passou de um embuste para iniciar operações contra a maioria dos apoiadores indígenas do presidente Morales. E não contra os bandos armados e fascistas que estavam tumultuando o País por várias semanas.

Este é um detalhe importante que muitos observadores perderam em meio aos eventos velozes que ocorreram no domingo, mas que revela crucialmente que os militares foram desonestos antes mesmo de exigir a renúncia do Presidente Morales. Ao iniciar operações prévias contra os partidários de Evo, apesar de não terem legalmente o direito e nem a autoridade para fazê-lo. Em retrospectiva, isso significa que não apenas ocorreu um golpe militar, mas o fato é que o golpe foi precedido por uma guerra civil não oficial de baixo nível/intensidade. Dessa forma as forças armadas saíram da cadeia de comando legal  a fim de " confrontar o povo ", apesar de anteriormente negar que tinham tal intenção. A este movimento dramático sucederam as manifestações violentas da "oposição" em La Paz, os incêndios das casas da irmã do presidente e dois de seus governadores no sábado à noite, e uma prefeita aliada quase linchada e humilhada nas ruas pela "oposição" dias antes.

Humilhar Morales Como Gaddafi na Líbia


Não é de admirar que o Presidente Morales tenha implorado a seus compatriotas durante seu discurso de demissão que "parem de atacar irmãos e irmãs, parem de queimar e agredir", pois ele temia pela vida de seus apoiadores depois do que acabara de acontecer. Sobretudo por que também já era conhecedor da operação em andamento dos militares contra ele, iniciada no mesmo dia. Sabendo disso, ele se retirou da capital antes que pudessem capturá-lo e, potencialmente, executar um regicídio semelhante ao de Gaddafi. Provavelmente os golpistas fabricariam um mandado judicial e para cristianizá-lo alegariam que  ele "resistiu" ou estava "armado" para  em seguida matá-lo a sangue frio, como seus predecessores fizeram com Che Guevara, há pouco mais de meio século.

Se eles não conseguirem capturar Morales em breve, as forças armadas apoiadas pelos EUA podem até solicitar assistência "antiterrorista" americana e / ou brasileira. Possivelmente alegarão que Morales e seus apoiadores estão ligados ao IRGC (Guarda Revolucionária  do Irã) e / ou às FARC da Colômbia, considerando os laços estreitos do Presidente Morales com República Islâmica e seu apoio político à oposição ao governo direitista de Duque, na Colômbia. Os golpistas também poderiam "justificar" um pedido de intervenção militar direta, lembrando a aliança de Morales com o presidente venezuelano Maduro, e alegando que este último está de alguma forma envolvido com o chamado "terrorismo" e até "tráfico de drogas" do presidente Morales. .

Institucionalizando a Escravidão Neoliberal


Esse é o pior cenário, mas o "melhor" do ponto de vista golpista não é muito diferente! No melhor cenário as forças de direita apoiadas pelos EUA, reverteriam rapidamente os direitos sociais que o Presidente Morales concedeu à população indígena majoritária, sem ter que se expor a uma intensa guerra civil. Em outras palavras, os apoiadores de Morales simplesmente se renderiam e permitiriam que o processo se desenrolasse sem nenhuma resistência física, o que parece extremamente improvável. Mas ainda assim isso pode ocorrer se a campanha de terror que está sendo travada atingir o seu objetivo e conseguir provocar pânico à população. É certo que alguns membros das violentas turbas se uniriam às forças armadas apoiadas pelos EUA, para formar esquadrões da morte que matariam a quem esboçasse resistência.

De qualquer maneira, o grande resultado estratégico que os conspiradores estão buscando é eliminar todas as estruturas estatais edificadas pelo MAS (Movimento ao Socialismo), a fim de impor mais facilmente um regime ultra-liberal o mais rápido possível. Com a única questão a saber se a população resistirá ativamente a esse "script", ou,  não. Algumas das conseqüências estruturais-institucionais mais prováveis ​​seriam a concessão de autonomia fiscal (e possivelmente até política) às fortalezas da "oposição", ricas em gás, das planícies chamadas "Media Luna" (Províncias de Santa Cruz e Beni), onde vive a maioria da população branca, e a drástica redução de impostos sobre empresas de mineração estrangeiras que operam nas terras altas povoadas por indígenas, o que poderia servir para privar os apoiadores indígenas do Presidente Morales dos recursos necessários para subsidiar seus programas socioeconômicos.

"Fazer da Bolívia a Líbia latino-americana"


Consciente do futuro que os espera se o golpe militar conseguir despojá-los de seus direitos socioeconômicos conquistados com muito esforço e institucionalizar seu status de “escravos” do sistema neoliberal-globalista, apoiado pela oligarquia de seu país e de seus apoiadores americanos / brasileiros, não seria surpreendente se o cenário de "pior caso" incentivasse os partidários indígenas do presidente Morales a travar uma luta de insurgência e de libertação nacional de pleno direito. Isso, no entanto, também acarreta perigosamente o alto risco de o Estado "simplificar" sua estratégia de "contra-insurgência", colocando esquadrões da morte no encalço de qualquer pessoa de herança boliviana nativa (especialmente nas áreas rurais), levando à limpeza étnica contra eles ou mesmo genocídio, se essa estratégia for levada à sua conclusão "lógica". Como tal, é muito cedo para dizer que a Guerra Híbrida na Bolívia acabou porque o Presidente Morales foi forçado a renunciar sob coação, uma vez que esta campanha nunca terminará verdadeiramente, dado o resultado literalmente fascista que pretende perpetuar indefinidamente ao promover o retorno informal dos indígenas e da população trabalhadora à escravidão neoliberal. Considerando a dinâmica em jogo, a Bolívia pode se tornar conhecida em breve como "Líbia da América Latina", e as consequências podem se espalhar facilmente por todo o resto da América do Sul, assim como as consequências da destruição da Líbia se espalharam por toda a África.

Nenhum comentário:

Postar um comentário