Introdução
A
democracia representativa após a II Guerra Mundial (1939-1945)
afirmou-se como o regime político hegemônico no ocidente, e recebeu
um novo impulso com a terceira onda de democratização a partir dos
anos setenta do século passado. No período ocorreram a derrocada
dos regimes autoritários no sul da Europa (Espanha/Portugal e
Grécia), e o fim das ditaduras militares na América do Sul, dentre
outras. A rigor o impulso democratizante havia se iniciado com a
independência das ex-colônias europeias na África e alhures, a
partir de fins dos anos cinquenta e nos sessenta. É importante
localizar na cronologia dos acontecimentos as grandes viragens da
história, e identificar que as democracias mais recentes - como a
brasileira - resultaram da combinação de alguns elementos
fundamentais como as grandes mobilizações da sociedade civil pelo
retorno da democracia, e a luta política envolvendo os partidos e
suas lideranças.
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Contudo,
a resultante desse processo consistiu na retomada do modo de
governação democrática da sociedade. Com governos eleitos, com a
legislatura eleita, com competição eleitoral (mais de um partido em
condições de vencer as eleições) e alternância de poder. Sendo
assim, e para fins da reflexão proposta nesse artigo, nossas
democracias são representativas porquanto se afastam da noção
clássica grega de governo do povo, pois o governo é exercido de
forma significativamente mediado por representantes eleitos.
No
entanto é inegável que as democracias representativas
contemporâneas padecem de deficits e de desencantos para com suas
instituições (governos e legislaturas). As democracias mais
antigas (Europa/América do Norte) são acossadas pelo absenteísmo
eleitoral, pela apatia de boa parte dos eleitores e pelo ascenso de
projetos políticos antidemocráticos e de extrema direita como, por
exemplo, a xenófoba Frente Nacional na França. Na América Latina o
panorama não diverge muito. Nas mensurações sobre o estado da
democracia na América Latina, o instituto de pesquisa
Latinobarômetro (sediado em Santiago/CH) revela que desde os anos
noventa os partidos, os governos e as assembleias de representantes
são as instituições menos prestigiadas pelos cidadãos.
Para
enfrentarmos esse debate de forma mais rigorosa - em tempos de reação
contra a democracia - importa o resgate da evolução do governo
representativo nas democracias ocidentais, e verificarmos com uma boa
resolução a situação e as perspectivas dos intermediários da
representação política, isto, é os partidos políticos.
O
Que é Representação e o Governo Representativo
Partindo de clássicos como Thomas
Hobbes (1588-1679), autor de “O Leviatã”, publicado em
1651, representação é a transferência e posse de autoridade, que
nada mais é do que o direito de agir do soberano. Desse modo o
representante é quem está autorizado a agir! Mais adiante e numa
perspectiva próxima as tradições defendidas pelos partidos mais à
esquerda do espectro político contemporâneo, Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778), autor do “Contrato Social”, de 1762, considera que o
poder soberano não pode ser representado. Nesse caso a representação
não é um recurso sócio-político válido, isto é, a “vontade
geral” não pode ser representada.
Como vimos a temática da
representação entre autores clássicos é controversa. Contudo, nos
termos em que o debate sobre representação se processa atualmente,
há um razoável acordo entre os politólogos de que não existe
representação quando os governantes não são periodicamente
eleitos pelos governados.
Um autor contemporâneo, o francês
Bernardo Manin (1951), afirma que os princípios do governo
representativo como conhecemos hoje foram formulados no século
XVIII, por autores como Edmund Burke, Stuart Mill e os
norte-americanos Madison, Hamilton e Jay, do semanário “Os
Federalistas”, para citar alguns.
Manin percebe entre os formuladores
das noções do governo representativo diferenças significativas em
relação ao ideal democrático do governo do povo, pelo povo e para
o povo. Ademais o governo representativo nunca foi um sistema em que
os eleitos têm a obrigação de realizar a vontade dos eleitores.
Isto é, a forma representativa de governo nunca foi uma forma
indireta de soberania. O autor sistematiza os quatro princípios do
governo representativo: I -os representantes são eleitos pelos
governados, II – os representantes conservam uma independência
parcial diante das preferências dos eleitores, III- a opinião
pública sobre assuntos políticos pode se manifestar
independentemente do controle do governo, e IV – as decisões
políticas são tomadas após debate (por consenso, ou pela regra
majoritária).
Do século XVIII até os nossos dias
a experiência ocidental com os governos representativos permite-nos
classificá-los em três tipos ideais: a) o “parlamentar”, b) a
“democracia de partido” e c) a “democracia de público”.
Evidentemente que os tipos ideais não esgotam todas as formas
possíveis, e nem todas as formas que o governo representativo
assumiu na realidade. Ou seja, as várias modalidades podem coexistir
e se fundir umas nas outras, mas dependendo do tempo e do lugar uma
forma, ou, outra, predomina.
O
Governo Representativo e o Partido Político
Esquematicamente o quadro abaixo
expressa no tempo o tipo ideal de governo representativo e o
respectivo equivalente partidário:
Modelo
Parlamentar (sec. XVIII a meados do século XIX
|
Partido de
“Notáveis”
|
Democracia de
Partido (século XIX à metade do século XX)
|
Partidos
Burocráticos de Massa
|
Democracia de
Público (anos 60 do século passado em diante)
|
Partido
Profissional Eleitoral
|
No Modelo Parlamentar onde
a noção de partido restringia-se ao parlamento, não havia
coincidência entre a opinião pública e sua expressão eleitoral no
parlamento. Quando muito o povo chegava às portas do parlamento com
alguma reivindicação ou petição específica. A “opinião
pública” não podia encontrar expressão adequada no parlamento
através do voto, mesmo porque os sufrágios eram censitários (por
renda) e excludentes (não
universal). No
velho continente os sem-voto passaram
a se organizar através de associações políticas
extra-parlamentares como o movimento
cartista
por reivindicações trabalhistas no Reino Unido , a luta pelos
direitos dos católicos, as
demandas por reforma parlamentar, o repúdio a discricionariedade das
leis (lei
do trigo), etc.
Na
verdade no Modelo Parlamentar o locus
por
excelência
da
atividade política era o parlamento, posto que os representantes não
estão submetidos à vontade dos seus eleitores. No
caso
o parlamento
pode ser um local de deliberação no sentido pleno da palavra. Ou
seja, um lugar onde os políticos definem suas posições através da
discussão e o consentimento da
maioria é logrado através do debate.
Contudo a entrada em cena do movimento operário no século XIX,
resultou no surgimento dos grandes partidos socialistas de massas.
Foi emblemático que na revolução republicana na França em 1848 -
no embalo das campanhas pelo sufrágio universal - os eleitores
passaram de 800 mil, para 10 milhões. Com o advento do sufrágio
universal - seguindo Manin – o Modelo Parlamentar e seu
equivalente partidário, o Partido de Notáveis, cede terreno para a
Democracia de Partido, e para o Partido Burocrático de
Massas.
No
curso da “Democracia de Partido” do século XIX a meados
do século seguinte, concomitantemente à extensão do direito ao
voto, surge o voto partidário. Posto que o pertencimento a uma
determinada classe social fidelizava o eleitor ao partido que lhe
proporcionava expressão parlamentar.
Sendo
assim era crível que os partidos políticos, suas burocracias e rede
de militantes levaria o “cidadão comum” ao poder. Pois nesse
contexto a representação se torna um reflexo da estrutura social.
Entrementes, a “Democracia de Partido” implicava no fim dos
representantes “notáveis” e do elitismo característico do
“Modelo Parlamentar”. Aos partidos políticos competia a tarefa
de mobilizar o eleitorado de modo mais amplo possível. Desse modo os
partidos de massa transformaram-se no núcleo das democracias
representativas, e os partidos socialistas , ou, social-democratas
nos arquétipos do partido de massas contemporâneo.
Partidos
na “Democracia de Público
Na
literatura especializada da Ciência Política surge nos anos 50 a
clássica obra “Political Parties”, em
1954, de Maurice Duverger. O autor asseverava que no contexto
democrático se afirmavam os partidos de massas. Na busca de uma
comparação Duverger consignava que os partidos eleitorais
norte-americanos consistiam em casos de atraso organizativo.
Todavia,
numa perspectiva diametralmente oposta
a
de Duverger é publicado em
1966, um trabalho intitulado
“Political Parties and Political Development”, de
autoria de um professor da Universidade de Princeton, Otto
Kirchheimer. O artigo fora publicado no livro “The
Transformation of Western European Party Systems”,
organizado por J. La Palombara e M. Weiner. O argumento central de
Kirchheimer invertia a lógica de Duverger. Pois para Kirchheimer os
partidos de massas eram uma etapa em direção aos partidos
eleitorais modernos.
A
transformação dos partidos de massa em partidos eleitorais não
pressupunha o desligamento com a antiga base social. Por outro lado
os partidos relevantes deveriam se abrir para um público mais amplo,
e para outros grupos sociais. Nesse processo os partidos passaram por
importantes transformações como a acentuada desideologização,
concentrando-se em temas gerais tendo em vista a incidência num
eleitorado amplo. Outra
característica do Partido Eleitoral Profissional consiste na
diminuição drástica
do
peso político da militância partidária, combinado com uma maior
abertura junto aos grupos de interesse com ligações mais fracas à
organização partidária (marginação). Como
efeito da marginação (relações fracas) se enfraquece e se torna
descontínua a relação partido/eleitorado.
O
equivalente partidário da “Democracia de Público” é
o partido profissional eleitoral. À guisa de comparação com o
partido burocrático de massa vejamos o quadro:
Partido
Burocrático de Massa
|
Partido
Profissional Eleitoral
|
Centralização
burocrática por competência político administrativa
|
Centralização
dos profissionais por competências especializadas
|
Ligações
organizativas verticais fortes e apelo ao eleitorado fiel
|
Ligações
organizativas fracas e apelo ao eleitorado de opinião
|
Predominância dos
dirigentes internos e das direções colegiadas
|
Predominãncia de
parlamentares, de figuras públicas e de direções personalizadas
|
Financiamento por
meio de filiações e atividades colaterais
|
Financiamento por
meio de grupos de interesse e dos fundos públicos
|
Ênfase na
ideologia
|
Ênfase na “pauta”
|
O quadro nos dá uma resolução
comparada acerca dos “partidos profissionais eleitorais” com seu
referente mais próximo. Obviamente que tratamos aqui de tipos
ideais, porquanto a realidade é permeada por formas “não puras”
e/ou híbridas. Todavia, é incontestável que os partidos relevantes
assumiram em grande medida as características do “partido
profissional eleitoral” nas democracias ocidentais.
Para avançar na análise é mister
identificar nexos explicativos para a afirmação e predominância
dos partidos eleitorais. O cientista político italiano, Angelo
Pannebianco, propõe algumas causalidades. Ele parte do pressuposto
de que as transformações no mundo do trabalho como a automação
das plantas industriais e, sobretudo, a III Revolução
Técnico-Científica, escorada na informática e nas
telecomunicações, repercutiu nos sistemas de estratificação
social, tornando-os muito mais complexos. Desse modo, numa sociedade
complexa a representação de um público diversificado traz
consideráveis dificuldades aos partidos políticos. Posto que outras
formas de representação de interesses de grupos emergem ao lado dos
partidos profissionais.
Noutra direção o autor evidencia a
transformação estrutural da esfera pública, que foi colonizada
pelos meios de comunicação de massas, ou, pela mídia empresarial.
Sendo assim a televisão, em particular, redesenhou a organização
partidária contemporânea acentuando o peso dos parlamentares em
detrimento dos dirigentes e militantes. Ficou famosa a frase de um
político do PSOE (Partido Social-Democrata Espanhol), da Espanha, no
início dos anos oitenta, onde dizia que preferia “10 minutos na
televisão à 10 mil militantes”. Portanto, e nas condições
da “democracia midiática”, os códigos de exibição
teatralizados da imprensa comercial em busca de audiência e
patrocínios, foram assimilados pelos partidos. É fundamental
compreender que o tempo da política tradicional e seu processamento
mediante o exercício argumentativo é lento. A processualidade da
política contrasta com as narrativas midiáticas interessadas na
rápida dramatização dos eventos políticos. Posto que a mídia
comercial demanda uma narrativa superficial, tendo em vista sua
audiência e seus compromissos com os anunciantes.
Conclusões
sobre o Governo Representativo e o Futuro dos Partidos
A reflexão proposta por Angelo
Pannebianco e outros autores sugere que o governo representativo
contemporâneo se caracteriza pela presença de um novo protagonista,
o eleitor flutuante, que é resultado – como vimos anteriormente –
de uma estrutura social complexa. E pela existência de um novo
fórum, os meios de comunicação de massa hegemonizados pela mídia
comercial.
Na perspectiva do autor a afirmação
do partido profissional-eleitoral cria mais problemas do que pode
resolver, posto que aumentaram as condições de instrução do
eleitorado, e, por conseguinte, declinaram os comportamentos
deferentes em relação aos representantes tradicionais. Ademais o
partido profissional-eleitoral cria um vazio de identidades
coletivas. O eleitor é mais independente por um lado, por outro,
torna-se mais solitário e desorientado. Esse “mal-estar” do
eleitor isolado resulta da perda de credibilidade e de atração das
antigas estruturas de solidariedade.
No que diz respeito aos partidos são
consideradas três evoluções possíveis nos marcos de uma crise de
credibilidade das instituições representativas. Primeiramente se
considera que o partido profissional-eleitoral prenuncia a dissolução
dos partidos como organizações. Em sendo assim se admite o
agravamento das dificuldades dos regimes democráticos. Noutra
perspectiva se propõe o retorno da função expressiva dos partidos
e a reabilitação do espaço unidimensional direita versus esquerda.
O que se afigura como a reproposição do modelo de disputa anterior
à Democracia de Público, sob novas condições. Finalmente, não se
pode desconsiderar um movimento considerável por inovação política
com modalidades imprevisíveis. Tais inovações dificilmente serão
produzidas pelas organizações políticas eleitorais-profissionais.
Numa outra oportunidade abordaremos
a situação do quadro político brasileiro analisando a evolução
de nosso governo representativo, e a perspectiva dos partidos
políticos. Por ora, e de forma preliminar, arriscamos a enunciar que
a crise política em curso resulta, por um lado, dos dilemas das
democracias contemporâneas como vimos acima, mas, por outro lado,
devemos considerar que a conjuntura brasileira está atravessada por
uma disputa política estendida. Ou seja, o resultado das eleições
presidenciais não foi assimilado pela oposição e por seus aliados
midiáticos. Além do mais o presidencialismo de coalizão
encontra-se “circuitado” por conta da infidelidade do PMDB,
comandado pelo presidente do Congresso, o deputado Eduardo Cunha. A
complexidade do quadro político impressiona. Mais uma vez a
democracia brasileira está desafiada a não sucumbir, pelo
contrário, o desafio das forças progressistas consiste em
enfrentar nossos deficits democráticos. Talvez um bom começo seja
regulamentar o mercado de informações, democratizando-o e
interditando a conformação de monopólios e do pensamento único.
Bom.
ResponderExcluirVamos divulgar.
O Plinio Zalewski comentou este artigo no facebook, Bem que poderia reproduzis no blog também.
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