O texto sobre Teoria Política é de 2007, e discorre sobre as principais correntes e autores da Ciência Política hodierna.
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Maquiavel pode ser considerado o fundador da Ciência Política ocidental |
Teoria Politica: a Análise
Comparada e o Institucionalismo Histórico
Introdução
Um ponto de inflexão no pensamento
político ocidental foram as reflexões de Maquiavel acerca da
manutenção e estabilidade do poder em geral e, em particular, na
república Florentina do século XVI. No ambiente gerado pelo
renascimento italiano a novidade de Maquiavel foi a produção de uma
ruptura entre política e religião. Também é admitido que o
tratamento canônico de toda uma tradição teórica da política
ocidental, de Aristóteles, Políbio, Marcílio de Pádua, o próprio
Maquiavel, Hobbes, Madison, Montesquieu, etc., estabeleceu seus
termos no século XIX, com a bifurcação entre como as coisas
deveriam ser, no caso o bom governo, e como as coisas são, o que
remete para a explicação do governo. Nesse período a política, o
direito e a filosofia haviam se divorciado. Adentrando o século XX,
a escola do velho institucionalismo de origem norte-americana fazia
da forma constitucional seu recorte e objeto de estudo.
A partir dos anos vinte do século
passado, Gaettano Mosca faz evoluir os estudos políticos para além
da forma constitucional dos países, sopesando elementos mais amplos
para a análise das diferenças institucionais entre as nações. A
Escola de Chicago à época adota técnicas de pesquisa influenciadas
pela psicologia, estatística e outras áreas do conhecimento e
desloca o estudo da política das instituições para o indivíduo.
Gallup nos anos trinta cria e dá notoriedade às pesquisas de
opinião pública. Nos anos cinqüenta nos EUA, as questões
relevantes para os estudiosos da política foram a explicação do
resultado das eleições majoritárias a partir da compreensão da
opção partidária do cidadão. Dessa forma se desenvolveu e
adquiriu centralidade para a Ciência Política a explicação do
resultado ou da performance das instituições políticas, sobretudo,
das instituições democráticas, com o desenvolvimento em espiral
crescente da análise comparada.
Em se tratando do método comparado
na primeira parte desse artigo tentaremos explorar o que
conceitualmente desenvolveram sobre o tema autores importantes para a
Ciência Política contemporânea como Sartori, Badie e Tilly. A
idéia é produzir um pequeno quadro referencial de conceitos
priorizando um diálogo onde se apercebam complementaridades e
reciprocidades na conceituação da metodologia comparativista.
Na segunda parte do artigo nos
propomos a abordar o tema do Neo-institucionalismo, mainstream
da Ciência Política contemporânea, e verificar duas de suas
principais vertentes, a da Escolha Racional ou Escolha Pública e o
Institucionalismo Histórico. No caso da escolha racional um dos
autores mais engenhosos, e que focalizaremos parte de seu trabalho, é
George Tsebellis. Ao construir o conceito de veto
player aportou uma valiosa
ferramenta para analisar as possibilidades de efetivação de
políticas públicas, consoante o número de atores institucionais
relevantes. As instituições importam? Para os institucionalistas
históricos a rigor não pairam dúvidas sobre a pergunta. Na moldura
institucionalista histórica o mais apropriado é transformar a
questão em uma afirmação, com um complemento, qual seja, as
instituições e o tempo importam! Considerado um dos trabalhos
seminais dessa escola o livro: “Bringing The State Back In”, de
Skocpol, Evans e Rueschemeyer (1985), situou aspectos importantes do
institucionalismo histórico comparado (FERNANDES, 2002). Dentre eles
o grau de autonomia dos Estados atravéz de indicadores
institucionais como o grau de centralização e descentralização da
autoridade, os meios financeiros, o ambiente e o comportamento dos
principais atores econômicos e as relações desses com o Estado. No
referencial institucionalista histórico um conceito que ostenta
lugar destacado é o de path
dependency. Nesse caso a
dependência de trajetória histórica conta ao ponto de tornar
elevados os custos de reversão de escolhas políticas desta ou
daquela nação. Para ilustrar nos reportaremos aos desdobramentos
recentes da denominada reforma política em tramitação no congresso
brasileiro.
O Método Comparado
A tradição de estudar política
recorrendo a observação comparada é antiga nas ciências sociais,
remontando dentre seus principais expoentes a Max Weber, ou se
quisermos recuar mais ainda chegaremos a Tocqueville no século XIX.
Para Sartori a abordagem científica por si é intrinsecamente
comparativa (SARTORI, 1994). Respondendo a indagação de o porquê
comparar o autor afirma que o método comparativo é um método de
controle porquanto ao identificar regularidades ou causalidades
refutáveis pelos demais cientistas sociais, as leis derivadas da
análise comparada devem aportar conhecimentos validados. A
verificação comparativa, portanto é parte essencial do background
epistemológico da Ciência Política. Nessa linha o ponto essencial
consiste na definição do que é comparável e sob que ponto de
vista ou, mais precisamente, que atributos específicos são
comparáveis.
Sartori adverte para o risco das
correlações espúrias, isto é, o risco de se comparar fenômenos
sem associação. No divertido e consagrado exemplo dos “perro-gatos”
são desenvolvidas quatro causas que podem comprometer a modelagem
comparativa. São elas: lª) o localismo; 2ª) a classificação
incorreta; 3ª) o gradualismo e a 4ª) elasticidade conceitual. O
localismo consiste nos estudos uni-nacionais “em vácuo” que
desprezam as categorias estabelecidas pelas teorias gerais. Como
conseqüência produz o paroquialismo na medida em que se abusa do
início ao fim de uma terminologia própria sob a inspiração de
conjunturas eminentemente locais ou regionais. Já as classificações
incorretas se caracterizam pelas construções de pseudo-classes, que
com pouco ou nenhum critério a tudo incorporam. Polemizando com
Huntington acerca das origens dos partidos únicos, Sartori refuta o
argumento de que os sistemas de partidos únicos resultam do acúmulo
de clivagens, porquanto tal resposta jamais será respondida
satisfatoriamente. Para uma classificação correta dos partidos
únicos indica que é necessário isolar os contextos em que não é
autorizada a existência de um segundo partido ou se ele não existe.
O gradualismo por sua vez implica que as diferenças de gênero
seriam mais bem percebidas pelas diferenças de grau. Desse modo se
opta pela fracionalização ad
nauseum dos modelos abrindo
mão das dicotomias. Por último, a elasticidade conceitual é
identificada como causadora de erros e incoerências comparativas. O
uso abusivo do conceito de ideologia, por exemplo, termo sem oposto e
que se aplica a tudo, foi despotencializado como instrumento de
análise por conta de seu alargamento até o ponto de perder seu
sentido, na dimensão de que se “tudo é, nada é”.
Numa outra direção Bertrand Badie
sustenta que os objetos comparados pertencendo ou não a diferentes
países se justificam plenamente, conquanto tenham suficientes pontos
em comum para pertencer a uma mesma categoria, e desse modo validar a
comparação além de torná-la útil. Discorrendo sobre o método
comparativo clássico (BADIE, 1984), ou mais exatamente, sobre sua
crise, o autor localiza nos anos sessenta a evidência da fragilidade
metodológica no que tocou a apreciação das transformações do
objeto político à época. Sendo assim foi questionado se havia
sentido em comparar os parlamentos de países europeus como
Inglaterra e França com o de países africanos ou asiáticos
descolonizados ou em processo de descolonização. Uma tentativa de
resposta nos marcos da análise comparativa clássica foi o
desenvolvimentismo, cuja pressuposição era de que os conflitos
islâmicos, ou o fracasso de regimes africanos, ou as peculiaridades
do funcionamento da vida política na Índia consistiriam em
sinalizações de atraso de um passado renitente a adentrar numa
ordem política mundial racional e universal. Como conseqüência o
desenvolvimentismo mais do que salvar o método comparativista
clássico aprofundou sua crise desdobrando-a em três
características: a crise do universalismo, a crise da explicação e
a crise da relação com a história.
A crise do universalismo partia da
convicção de que não poderia haver Ciência Política sem a
aplicação de conceitos e práticas universalmente válidas, a
despeito de distintas situações políticas. Os politólogos
ocidentais nutriam a crença de que conceitos como nação,
democracia, estado, democracia representativa, espaço público e
sociedade civil eram universais. Não necessariamente. O que é
admissível é que são categorias da história ocidental cuja
aplicação sem critérios em outros contextos faz reproduzir senão
o velho etnocentrismo das ciências sociais do século XIX. É pouco
provável que se possa refletir adequadamente sobre o objeto político
sem levar em conta a intervenção dos códigos culturais e do
desenvolvimento histórico de unidades particulares. Mas a indagação
que se impõe é; seria possível o desenvolvimento das Ciências
Sociais ante a severa restrição da universalização conceitual? O
que é desejável aos estudos comparados é que se empreenda a devida
distinção entre conceitos mono-culturais relacionados a uma
determinada história e os conceitos trans-culturais passíveis de
universalização e transcendentes a esta ou aquela comunidade.
Com efeito, a crise do paradigma
universalista desemboca na crise de sua faculdade explicativa. Ao se
admitir que os processos políticos contenham uma indiscutível
especificidade, equivale a colocar em xeque os paradigmas
explicativos, sobretudo os desenvolvimentistas. Por seu turno se
torna cada vez mais difícil a afirmação de que há fatores
determinísticos e universais a condicionar a história e as
culturas, como por exemplo, o determinismo econômico da tradição
marxista, mas, bem esclarecido, não só a tradição marxista.
Uma evolução importante e que não
concede espaço ao paradigma determinista se encontra em Rokkan na
utilização do modelo das clivagens para explicar a origem dos
partidos políticos europeus no século XIX. Nessa perspectiva a
Revolução Industrial e a formação do Estado Nacional produziram
clivagens que enformaram os conflitos entre capital e trabalho,
cidade e campo, estado e igreja e comunidades regionais e a nação
(ROKKAN, 1975).
A crise do método comparativo
clássico e sua relação com a história pode ser compreendida a
partir da incapacidade em integrar a dimensão histórica na análise
dos objetos sociais que se pretende comparar. Segundo Badie e
Helmert:
“... O desconhecimento desta
dimensão (histórica) torna artificial e ilusória qualquer
comparação, já que ao considerar somente as manifestações
contemporâneas, a análise corre o risco de deixar de lado toda a
profundidade que a história pode revelar como singular e
excepcional.” (BADIE e OLMERT, XXXX).
A opção em não considerar a
história se expressou atravéz de dois modelos distintos. De um lado
as teorias behavioristas segundo o qual a ciência política e a
história constituem duas disciplinas distintas e independentes entre
si, de outro lado as teorias sociológicas que atribuem à história
um sentido a priori.
As teorias comportamentais foram
predominantes no contexto dos anos sessenta e atribuíam ao
politólogo a missão de observar o funcionamento do sistema
político, fixar sua medida e delimitar suas normas mediante técnicas
de quantificação. O resultado foi a edificação de uma análise
sistêmica em que os mecanismos da vida política enfeixavam um todo
coerente e identificável. A análise behaviorista nessa perspectiva
encerrava ao menos três perigos. O primeiro dizia respeito a uma
conceitualização universal do político. Em segundo lugar, a
definição essencialista do político implicava numa visão
trans-histórica das práticas políticas menosprezando suas
transformações ao longo do tempo, assim como nesse modelo não eram
incomuns as descrições inverídicas do funcionamento dos sistemas
políticos extra-ocidentais , produzindo descrições alheias à
realidade. E em terceiro lugar, o behaviorismo produzia uma análise
sistêmica que concedia pouca atenção ao que era específico das
crises e as transformações que delas resultavam (BADIE, 1994). As
teorias teleológicas que atribuem um sentido apriorístico à
história, como são o caso do evolucionismo e do marxismo, tem em
comum proposições menos interessadas em levar a cabo um
empreendimento comparativista, pois pretendem mensurar as fases e as
desfases consoantes a seus respectivos modelos explicativos.
Charles Tilly indicou na defesa da
história como constituinte dos estudos comparados que fotografar uma
ordem política em um momento dado equivale a preferir o poder e não
a oposição, o legítimo e não o ilegítimo, a relação e não a
ação social. É propriedade desse autor também uma profícua
reflexão sobre análise comparada. Segundo Tilly as transformações
sociais ocorridas no século XIX, ensejaram um contexto onde se
desenvolveram nossas idéias atuais para a análise de “grandes
estruturas sociais, amplos processos e enormes comparações” entre
distintas experiências sociais. Essas transformações produziram
marcos políticos e sociais que sobreviveram ao longo do século XX.
Partindo de um balanço crítico do
legado do século XIX sem, entretanto, deixar de advertir de que não
se trata de um acerto de contas com os seus respectivos teóricos,
Tilly sugere que uma leitura inadequada das mudanças sociais no
século XIX, produziu os “oito postulados perniciosos do pensamento
social do século XX” (TILLY,1984).
Sinteticamente os oito postulados
seriam os seguintes: 1º) considerar a sociedade como algo à parte,
2º) a interpretação do comportamento social como produto de
processos mentais individuais condicionados pela vida em sociedade,
3º) as transformações sociais como fenômenos gerais e coerentes,
4º) a visão etapista das mudanças sociais com a sucessão de fases
inferiores e superiores, 5º) a diferenciação como condição para
o progresso, 6º) uma diferenciação demasiada rápida como geradora
de desordem social, 7º) a rapidez das transformações como causa de
comportamentos reprováveis como o crime, a loucura, o suicídio e as
rebeliões, e 8º) as formas “ilegítimas” e “legítimas” de
conflito e coerção explicados a partir de processos de
transformação e desordem por um lado, de outro os processos de
integração e controle.
Conforme Tilly os oito postulados são
equivocados. De acordo com o autor as oito ilusões possuem uma clara
conexão, pois são deduzidas de uma divisão radical entre as forças
da ordem e as forças da desordem. As forças da ordem seriam
constituídas pela sociedade, a integração, a satisfação, o
controle legítimo, o progresso e a normalidade. Em oposição às
forças da desordem consistiriam nos processos mentais individuais,
na desintegração, na tensão, na violência, na decadência e na
anormalidade.
Ao considerar como equivocados e
insatisfatórios os postulados Tilly indica como construir análises
históricas concretas de grandes estruturas e de amplos processos.
Nesse sentido as análises deveriam ser objetivas ao se referirem ao
tempo, aos lugares e as pessoas reais. Históricas, recortando o
período de tempo e reconhecendo desde o início a importância da
dimensão temporal. Desse modo as seqüências afetam as modalidades
das ocorrências indicando que toda a estrutura ou processo
constituem uma série de possibilidades de eleição.
Sobre análise comparada Tilly expõem
quatro estratégias ou quatro abordagens para a produção de estudos
comparados. As quatro estratégias seriam: 1ª) as comparações
individualizadoras, 2ª) a comparação universalisadora, 3ª) a
comparação globalizadora e a 4ª) identificadora de diferenças. A
comparação individualizadora é aquela em que a ênfase recai sobre
a singularidade dos processos. O exemplo clássico pode ser
encontrado em Max Weber em seus estudos sobre a influência da ética
protestante sobre o capitalismo. Já a comparação universalizadora
privilegia o foco nas propriedades comuns dos objetos investigados. É
o caso de Theda Stockol ao estudar as revoluções na França, Rússia
e China. A comparação globalizadora é representada pelas teorias
da modernização. Stein Rokkan ao explicar o surgimento dos partidos
políticos europeus a partir das clivagens produzidas pela Revolução
Industrial e a formação do Estado Nacional situa sua análise nessa
perspectiva. A quarta estratégia é a comparação a partir da
identificação das diferenças. As variáveis independentes são
valorizadas e potencializam o estudo do comportamento de algumas
forças como o Estado, a burguesia ou os camponeses.
A Escolha Racional e o
Institucionalismo Histórico
A Escolha racional e o
Institucionalismo histórico se situam entre as principais
subcorrentes do Neo-institucionalismo. De comum entre elas o fato de
considerar os estudos dos processos políticos tendo como variável
independente as instituições. Uma distinção a se fazer é que os
adeptos da Escolha Racional se valem do individualismo metodológico,
que não é utilizado pelos institucionalistas históricos e
sociológicos.
A Rational
choice
Grosso modo, a teoria da Escolha
Racional vê as instituições como potencialmente dotadas de
problemas de ação coletiva considerando a visão utilitarista do
indivíduo, que na busca da maximização de seus interesses privados
reserva pouco ou nenhum interesse para cooperar interagindo
politicamente. Na perspectiva de uma lógica dedutiva as instituições
se compõem de atores individuais que tomam decisões e que agem a
partir de escolhas e interesses pessoais. Um autor importante dessa
escola é George Tsebelis.
Tsebelis focaliza sua atenção nos
processos decisórios nos sistemas políticos e nas condições que
são criadas para a estabilidade das políticas públicas. Em seu
modelo o conceito de veto
player é fundamental para
a compreensão da dialética estabilidade/instabilidade das políticas
públicas. Tsebelis sugere que a estabilidade das políticas públicas
é fonte de instabilidade dos governos ou dos regimes, por conta dos
veto players.
Os veto players
são os atores individuais e coletivos que são necessários para a
promoção de mudanças nos status
quo. O conceito de veto
player se origina da doutrina dos pesos e contrapesos expressos na
constituição norte-americana e nos textos constitucionais clássicos
do século XVIII. As mudanças no status
quo por sua vez estão
condicionadas pelo tamanho do winset,
isto é, pelo tamanho da área ou do espaço decisório dos veto
players. Tanto quanto maior
for o winset
maior será a probabilidade de mudanças no status
quo (TSEBELIS, 2002).
Segundo o autor a estabilidade das
políticas públicas de um sistema político depende de três
características de seus veto
players e que são tratadas
como variáveis independentes: seu número, sua congruência (a
diferença entre suas posições políticas) e sua coesão (a
similaridade das posições políticas das unidades que constituem
cada um deles). O número de veto
players institucionais
varia de acordo com o assunto em discussão. Via de regra um sistema
com múltiplos veto players
incongruentes e incoerentes tem dificuldades para a apreciação de
temas que demandam uma rápida decisão, como por exemplo, os
relativos à política monetária de um país para fazer frente à
inflação ou taxa de câmbio. Nesse caso se opta em delegar o
processo decisório a uma autoridade constituída especificamente
para essa finalidade.
Consequentemente os sistemas com
múltiplos veto players incongruentes e coesos deverão revelar
níveis mais elevados de estabilidade no processo de formulação de
políticas (múltiplos vetos
players>incongruência>coesão>estabilidade) do que sistemas
que contam apenas com um único veto player ou um pequeno número de
veto players sem coesão e congruentes (único veto player>>.
congruência<coesão<estabilidade).
O Institucionalismo Histórico
Com outros referenciais o
institucionalismo histórico surge como reação às correntes
dominantes da Ciência Política nos anos sessenta e setenta, o
comportamentalismo e o neo-marxismo. A política comparada do período
se assentava no pluralismo e no comportamentalismo que propunham
explicar as diferenças entre os países a partir das atitudes e dos
comportamentos dos grupos e dos indivíduos. À destarte da crítica
às correntes mencionadas o institucionalismo histórico herdou
algumas de suas proposições (FERNANDES, 2002). Do pluralismo lançou
mão da idéia de que o conflito de grupos rivais por recursos
escassos estaria no centro da política. Concomitantemente a análise
é complementada sugerindo que os resultados distintos entre os
países devem ser encontrados pela organização da estrutura
econômica e política, que conflita ou privilegia determinados
grupos em detrimento de outros. Em relação ao estruturalismo os
institucionalistas históricos utilizam a idéia de que a política é
um sistema de partes integradas, embora discordem da relação
uni-causal como condicionante das condutas sociais e culturais dos
indivíduos.
O institucionalismo histórico tem
origem nos estudos de política comparada dos anos setenta e oitenta
que remontam a tradição teórica de Max Weber e Karl Polanyi. A
análise institucionalista objetiva a proposição de teorias que
dêem conta em explicar o desenvolvimento econômico e político
entre unidades supranacionais, nacionais e demais escalas menores
como regiões e cidades, por um período de tempo determinado. A
variável independente nesses casos seriam as instituições
intermediárias como a burocracia, o eleitorado, a relação
Estado-sociedade, o processo decisório na política, a elaboração
das políticas públicas, etc.. A história das estruturas sociais e
as preferências dos atores envolvidos nos processos decisórios
compõem a moldura dos espaços de interação (conflito/cooperação)
da política, e definem a configuração das instâncias reconhecidas
de coordenação coletiva, ou seja, as instituições. A diferença
básica entre o institucionalismo histórico e a escola da escolha
racional ou pública é que os institucionalistas explicam as
estratégias dos grupos sociais e indivíduos numa dada seqüência
histórica a partir das estruturas reconhecidas de coordenação
coletiva, enquanto aqueles que se situam no plano da rational
choices partem do
comportamento maximizador dos indivíduos para explicar as
preferências e decisões políticas das instituições.
Um conceito caro ao institucionalismo
histórico, que tem origem na economia, é o path
dependency. Em poucas
palavras quer dizer que o tempo conta! A path
dependency enfatiza o
impacto dos legados políticos como condicionantes das preferências
e/ou decisões políticas. Dito de outro modo significa que numa dada
seqüência histórica de desenvolvimento de um país ou de uma outra
unidade em análise, são estabelecidas preferências que são
difíceis de serem modificadas, ou os custos para sua reversão são
demasiadamente altos.
Paul Pierson, em “Politics
in Time”, 2004, buscou
estabelecer uma conexão entre a história e as Ciências Sociais. Na
obra o autor procurou enfatizar a dimensão temporal como preditora
da análise do mundo sistêmico da política. Segundo Pierson, na
economia a path dependency
é também denominada de increasing
returns (retornos
crescentes). Em linhas gerais, retornos crescentes implicam que a
probabilidade de modificação de uma trajetória estabelecida
aumenta na medida em que as mudanças se orientam para a mesma
trajetória (positive
feedback). Sendo assim, os
custos para trilhar uma rota alternativa (rupturas) crescem.
Portanto, de acordo com esse modelo os feedbacks
positivos são potencialmente relevantes no sentido de induzir a
novos padrões históricos de desenvolvimento intitucional. As
instituições uma vez submetidas aos efeitos path
dependency produzem uma
lógica própria e geram conseqüências imprevistas aos seus
próprios idealizadores.
Conforme Pierson importa situar toda
análise no tempo a despeito das particularidades do objeto em
estudo. Todo o projeto social de desenvolvimento institucional se
situa num contexto temporal. Os esforços empreendidos para o
aperfeiçoamento institucional só podem ser amplamente compreendidos
se forem tomados como efeitos de todo um longo processo e de fases
historicamente determinadas. O autor destaca alguns mecanismos
condicionantes da mudança institucional como os problemas de
coordenação (equilíbrio), os pontos de veto (as resistências), a
especificidade dos ativos e o positive
feedback.
A reforma política no Brasil
Por seu turno, as análises originadas
dos modelos de análise que se utilizam da path
dependency ajudam a
compreender a poderosa inércia e a persistência de certos aspectos
do desenvolvimento político institucional. Para ilustrar nos
reportemos à tramitação da denominada reforma política no
congresso brasileiro. Com a crise política instalada no governo do
presidente Lula no ano de 2005, tendo como epicentro o financiamento
das campanhas eleitorais a partir de “recursos não contabilizados”
pelos partidos da base do governo, nas eleições municipais de 2004,
veio à tona, tanto pela situação como pela oposição, como uma
espécie de panacéia universal, o tema da reforma política. Tudo
indicava que por força da crise estariam reunidas as condições
para colocar na ordem do dia uma pauta que já vinha tramitando há
algumas legislaturas, e que até então tinha pouca ou nenhuma chance
de ir à votação em plenário. O próprio presidente reeleito em
2006 indicava que a reforma política deveria ser uma das mais
importantes de seu segundo mandato. O anteprojeto de reforma
amplamente divulgado pela imprensa dava conta de que estava se
produzindo um amplo consenso em torno das propostas do relator,
deputado Ronaldo Caiado do DEM-GO, que defendia dentre outras coisas
o voto em lista fechada, o financiamento público das campanhas
eleitorais, a fidelidade partidária, cláusula de barreira, etc..
Contudo, o que se pode dizer até o momento é que o intento dos
reformistas não logrou êxito. A discussão em torno do voto em
lista fechada e sua derrota por 245 votos não, e 194 votos sim, em
sessão plenária, em 13 de junho desse ano, talvez seja ilustrativa
se quisermos nos valer dos efeitos path
dependency e para explicar
o resultado.
Em “Governabilidade e Democracia
Natural”, 2007, Wanderley Guilherme dos Santos nos apresenta dados
interessantes: “Entre 1945
e 2006 ocorreram 16 eleições gerais para preenchimento de vagas na
Câmara dos Deputados e nas assembléias legislativas estaduais.
Multiplicando-se o número de eleições pelo número de estados onde
se processaram – iniciando-se com 21 unidades da federação em
1945 e alcançando 27 a partir de 1990-, obtém-se a nada desprezível
casa de 752 eleições, entre pleitos nacionais e estaduais,
totalizando mais de meio século de vida partidário-parlamentar,
nunca interrompida desde a queda do Estado Novo. Isso é raro na
América Latina e temporalmente similar a todos os países da OCDE no
mesmo período (pós-1945)......”
No mesmo parágrafo o autor conclui que a participação do País na
elipse democratizante internacional é “bastante razoável”. É
importante destacar também que mesmo considerando o período
autoritário no Brasil (1964-1985) a competição eleitoral
partidária para a Câmara dos Deputados e assembléias estaduais,
não se intorrempeu em que pese regras restritivas nas eleições de
1966, 1970, 1974 e 1978.
Do que foi dito acima cumpre
acrescentar que no período destacado pelo autor, isto é, de 1945 a
2006, as eleições para o preenchimento das vagas legislativas se
deram mediante a votação em lista aberta. A rigor o Brasil adotou a
votação em lista aberta antes de países que se notabilizaram pela
utilização do modelo, o caso da Finlândia em 1955 e do Chile em
1958 (NICOLAU, 2006). Entrando brevemente no mérito do debate lista
aberta versus lista fechada, destaca-se a reflexão de autores que
demonstram a partir de regressões que não há procedência em
associar sistemas partidários fracos a lista aberta e sistemas
fortes com lista fechada (MARENCO, 2006). Tampouco os casos de
corrupção eleitoral se constituem em argumentos favoráveis a lista
fechada.
O desfecho desfavorável à votação
em lista fechada na Câmara dos Deputados pode ser explicado a partir
de distintas vertentes. Paul Schmitter partindo de um modelo
indutivista adverte para a existência de uma complexa
interdependência que impossibilita a adoção de modelos teóricos
abrangentes como nexos explicativos totalizantes (SCHMITTER, 2006).
De todo o modo, se utilizando de abordagens associadas ao
institucionalismo histórico, mais especificamente a path
dependency, podemos
articular justificativas que consideram a derrota da lista fechada
como uma conseqüência poderosa dos efeitos de um modelo (lista
aberta) institucional que vem sendo utilizado a 16 eleições, ou se
preferirmos, há 60 anos. A maioria dos parlamentares e dos partidos
relevantes, excetuando-se o PCdoB, estimulados pelas pesquisas de
opinião pública, cujos resultados expressavam uma contrariedade à
adoção da lista fechada, percebida pelos eleitores como introdução
de uma medida restritiva/não inclusiva , fechou questão em torno da
lista aberta, porquanto à falta de incentivos e os elevados custos
para os deputados optarem por uma significativa mudança de
trajetória de uma cultura política.
Conclusão
O método comparado do qual se vale o
Neo-Institucionalismo e suas correntes mais importantes, como a
rational choice
e o institucionalismo histórico operam num procênio cujo pano de
fundo é a democracia. Dito de outra forma, o horizonte normativo da
Ciência Política contemporânea é a democracia.
De forma minimalista o que é
essencial considerar numa ordem democrática é que existem dois
tipos de funcionários que são eleitos direta e/ou indiretamente, o
chefe do executivo e o corpo legislativo. Os funcionários
selecionados nas eleições para o exercício do poder legal não
resultam simplesmente do processo eleitoral. Para a configuração da
democracia é fundamental que a responsabilidade governamental esteja
diretamente vinculada aos eleitores ou ao parlamento de
representantes.
No terreno normativo coincidimos com
Przeworski que entende que num regime democrático a repetição dos
processos eleitorais induz os governos para uma maior accountability,
cria as condições para uma maior participação política em prol
da igualdade de provimentos e a conquista da liberdade pode promover
uma ambiente favorável a um sistema político racional (PRZEWORSKI,
ALVAREZ e CHEIBUB, 2000).
Os estudos comparados que focalizamos
nesse artigo a partir de Sartori, Badie e Tchily, se constituem como
a principal ferramenta metodológica da Ciência Política
contemporânea e a que mais produz resultados relevantes para a
compreensão das condições de estabilidade e mudança
institucional. Importa assinalar que a análise comparada bem
concebida permite uma conciliação fundamental entre a empiría e a
teoria. Os autores também advertem para a ineficácia de construtos
a partir do paroquialismo bem como o perigo das comparações
espúrias. Do ponto de vista metodológico as críticas formuladas a
análise comparada são de duas ordens: o número e o processo de
escolha de casos e a base de evidência histórica para a
demonstração das causalidades.
Tanto a rational
choice quanta a análise
institucionalista histórica possuem um denominador comum: as
instituições importam! Os estudos políticos que se valem do
conceito de path dependency
como, por exemplo, o de
Putnam, que trabalha a história como variável independente e as
políticas de descentralização de determinadas regiões da Itália
como variável dependente, para explicar seu desenvolvimento a partir
do capital social (PUTNAM, 1996), procuram analisar como as decisões
dos sujeitos, repetidas e sobrepostas no decorrer de uma linha de
tempo são capazes de produzir instituições. Instituições cujo
legado de ordem política e econômica conformará o leque de
possibilidades e de escolhas preferenciais em que os atores coletivos
na base do conflito ou da cooperação farão girar a roda da
história para frente ou para trás, mas isso é outra história!
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